19 agosto 2007

ALGUM CHEIRINHO DE ALECRIM


Em especial para o grande amigo Pedro Nelito, que não conseguiu estar presente, mando urgentemente algum cheirinho de alecrim.

14 agosto 2007

LÁ ESTAREI!


Se o meu sangue não me engana
como engana a fantasia
havemos de ir a Viana
ó meu amor de algum dia
ó meu amor de algum dia
havemos de ir a Viana
se o meu sangue não me engana
havemos de ir a Viana.

Pedro Homem de Mello

1+2+3+...+99+100=5050

Ao casamento [de Gauss] vieram poucos convidados […] Uma hora mais tarde os últimos convidados já tinham partido e ele e Johanna iam a caminho de casa. […] No quarto ele fechou os cortinados e aproximou-se dela […] Quando a mão dele lhe percorreu os seios e depois a barriga, e a seguir ele se atreveu a continuar, […] a lua cheia surgiu pálida e baça por entre os cortinados e ele sentiu vergonha por precisamente nesse momento lhe ter ocorrido a maneira de corrigir por aproximação os erros de medição das órbitas dos planetas. Gostaria de ir anotá-la, mas agora a mão dela deslizava pelas costas dele abaixo. […] enroscou as pernas em torno do corpo dele, mas ele pediu desculpa, levantou-se, foi aos tropeções até à mesa, mergulhou a pena no tinteiro e escreveu, sem acender a luz: soma do quadr. da diferença entre observ. e calc. – min.




Ainda enquanto ele lhe perguntava de onde vinha, o que desejava e em que poderia ajudá-la, ela abriu-lhe as calças com desembaraço. Quando […] lhe arrancou a camisa pela cabeça soltou-se um botão e rolou pelo chão. Humboldt seguiu-o com os olhos, até ele esbarrar contra a parede e tombar. Ela passou-lhe os braços em volta do pescoço e puxou-o para o meio do quarto [arrastando-o] para cima do tapete e por qualquer motivo ele permitiu que ela o fizesse deitar-se de costas e que as suas mãos fossem descendo ao longo do corpo […] Ele olhava as suas costas arqueadas, o tecto do quarto, a janela onde se viam as folhas das palmeiras agitadas pelo vento. […] As folhas eram curtas e aguçadas, ele nunca tinha estudado aquela árvore. Quis levantar-se, mas ela pousou-lhe a mão no rosto e empurrou-o para baixo […] Não tem importância, disse em voz baixa, a culpa era dela. Bonpland foi encontrá-lo sentado à secretária, no meio dos cronómetros, do higrómetro, do termómetro e do sextante […] Com a lupa presa no olho, observava as folhas de palmeira. Uma estrutura interessante.

A Medida do Mundo, Daniel Kehlmann


Alexander von Humboldt, nasceu em Berlim, a 14 de Setembro de 1769, e faleceu a 6 de Maio de 1859 na mesma cidade. Carl Friedrich Gauss nasceu em Braunschweig, a 30 de Abril de 1777, e faleceu a 23 de Fevereiro de 1855, em Götingen. Foram duas das mentes mais extraordinárias que a Alemanha e o mundo já conheceram.
O primeiro foi etnógrafo, antropólogo, físico, geógrafo, geólogo, mineralogista, botânico e vulcanólogo, o segundo, matemático, astrónomo e físico.
Humboldt, um explorador, criou o essencial da sua obra através das expedições que realizou em diversas partes do mundo – são famosas as expedições à América do Sul e à Ásia Central –, Gauss, essencialmente um pensador, quase nunca saiu da sua cidade.
O livro de Daniel Kehlmann começa precisamente por explorar esta faceta da vida de Gauss, o seu horror a viagens, quando tinha de se deslocar a Berlim para participar na reunião de estudiosos de Ciências Naturais onde encontraria Humboldt. Alternadamente, capítulo para um, capítulo para o outro, o autor revisita as vidas destes dois gigantes do Iluminismo alemão. Além das descobertas fantásticas que se aliam aos nomes destes dois investigadores, Daniel Kehlmann dá-nos a conhecer – de uma forma por vezes hilariante –, as suas idiossincrasias.
Um livro que, vivamente, se recomenda. Se não for por mais, pelo menos para nos lembrar que todos os grandes homens são, antes de mais, homens, com todas as suas fraquezas que, normalmente, as biografias oficiais não contemplam.

12 agosto 2007

MIGUEL TORGA

"Nas duas grandes horas da Vida – a nascer e a morrer – o homem bebe sozinho o seu cálix. No trajecto entre os dois pólos, acovardado pela maior consciência da espessura da bruma, arregimenta amigos e companheiros. Mas a sua unidade é ele. Mesmo que consiga ter à sua volta uma multidão – vai só."

Miguel Torga, Diário I [coimbra, 6 de novembro de 1937]

09 agosto 2007

REENCARNAÇÃO NÃO AUTORIZADA!

Em 1951 o Exército Chinês passa a fronteira do Tibete para tomar de assalto um território que, diziam, lhes pertencia por direito próprio. Durante anos foram lá cometidas as maiores atrocidades. Centenas de templos são destruídos, milhares de habitantes são massacrados. Promove-se a aculturação forçada dos tibetanos ao estilo de vida do invasor. Mas uma parte importante daquele povo resiste ainda.
Tensing Gyatso, o décimo quarto Dalai Lama, é o líder espiritual dos tibetanos. Obrigado a fugir do seu país em 1959, refugia-se na cidade indiana de Dharamsala, no sopé dos Himalaias, onde, até hoje, como líder do governo tibetano no exílio, tem conduzido a luta pela libertação do seu país. Pelo reconhecimento desse combate o Comité Nobel decidiu, em 1989, atribuir-lhe o prémio Nobel da Paz.
O Dalai Lama é a reencarnação de Buda na Terra, segundo a tradição tibetana. Ainda não há muito tempo a insuspeita Der Spiegel dizia que o líder espiritual dos tibetanos era mais popular que o Papa Bento XVI. O governo chinês sabe disso e sabe também a mossa que essa popularidade pode causar nos seus propósitos de anexação do Tibete – veja-se a pressão imensa que o império do meio exerce sobre qualquer governo para que o não receba, pelo menos a nível oficial –, de modo que, para limitar a sua influência, fez aprovar um decreto que só não é hilariante porque é perturbador: O chamado "Buda vivente" reencarnado é ilegal e inválido sem a aprovação governamental. Este decreto, ao melhor estilo das trevas medievais da Santa Inquisição, entrará em vigor no próximo dia 1 de Setembro.

E assim, um país que exige, já, tratamento de super potência e que organizará no próximo ano os Jogo Olímpicos na sua capital, não se coíbe de cercear a todo um povo o inalienável direito à sua espiritualidade. Todos estamos lembrados que por muito menos os jogos olímpicos de Moscovo foram boicotados em 1984 e 4 anos depois o mesmo aconteceria em Los Ângeles. Se os tiver no sítio, o mundo saberá fazer ver à China que não aprova todas as selvajarias que, impunemente, tem feito, dentro e fora das suas fronteiras.

Esperarei para ver!

08 agosto 2007

RAPAZ POBRE, RAPARIGA RICA

E a vida, por mais que se queira, não é canónica.
Miguel Torga

Nasci em Santa Marta de Portuzelo. Hoje a aldeia está pegada à cidade mas naquele tempo “ficava a léguas”. Ali sentia-se o peso da interioridade de modo que com atenção ouvia-se, aos mais velhos, expressões que hoje estão completamente arredadas do nosso modo de falar. Por isso, foi com um indescritível prazer que as encontrei todas no livro de João Cavalheiro, Carolina, um louco sonho de infância. Embora já há muitos anos as não ouvisse, aconteceu-me achá-las tão naturais como se as utilizasse no dia-a-dia. Aconteceu como quando encontramos um amigo da escola que já não víamos há vinte anos. Falamos com ele como se estivéssemos a continuar a conversa do dia anterior. Além do linguajar de antanho pode apreciar-se a mesa tradicional, tanto da gente remediada como da rica. Utilizando uma expressão que vai atravessando o tempo: de comer e chorar por mais. O romance conta a história de um amor impossível entre João Miguel, um rapazinho pobre de uma aldeia perdida da ribeira Lima e Carolina, a herdeira da família de maiores pergaminhos, lá da terra. Ao longo de mais de quinhentas páginas os protagonistas viverão aventuras indescritíveis até ao feliz desenlace. Corin Tellado, ou até Gilberto Tumscitz Braga, roer-se-iam de inveja se um dia tivessem oportunidade de ler o livro. Passado a episódios de trinta minutos poderia figurar na grelha de programação de qualquer estação de televisão, no seu horário nobre. Apenas um reparo: para dar à história a direcção pretendida, juntando os protagonistas, o autor não hesita em fazer cair um avião com a mulher e os sogros ou fazer sair da estrada o automóvel com a mulher e o homem em que, miraculosamente, só este se fina. Para a história isso é providencial mas na vida real os acontecimentos não se desenrolam a pedido porque a vida, por mais que se queira, não é canónica.