27 novembro 2008

NO MEU CASO NÃO!

O personagem galga sofregamente as escadas acossado pela matilha de jornalistas. As luzes mordem-lhe o cachaço cabeludo mas ele não vacila. Trota sem parar. Quase no cimo, olha por cima do ombro para o último resistente e dispara numa vozinha cómica, quase infantil: “No meu caso não!”. Satisfeito, o jornalista interrompe, por fim, a perseguição e fica a ver a “presa” alcançar o último patamar e, no seu passinho miúdo de Charlot, desvanecer-se de encontro à luz que jorra lá do fundo e ilumina a cena.
Podia ser o plano de um filme da série B. Tinha todos os condimentos para tal. Mas não. A cena nada tinha de ilusório. O doutor Sebastião é o presidente da Autoridade da Concorrência. O seu amigo de longa data e ministro da economia, Manuel Pinho, viu nele predicados mais do que suficientes para um bom desempenho do cargo e escolheu-o. Paralelamente, o doutor Sebastião pertencia à direcção da ordem dos economistas. Pertencia e ainda pertence. Dito de outra forma: o doutor Sebastião enquanto membro da direcção da ordem dos economistas vai ser investigado pelo doutor Sebastião enquanto presidente da Autoridade da Concorrência. Os estatutos deste último organismo dizem claramente que está vedado aos membros do Conselho o exercício de quaisquer funções públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, com excepção da docência a tempo parcial no ensino superior mas, quando o jornalista lhe lembrou isto, o doutor, candidamente, assegurou: “No meu caso não!”.
Eu oiço isto e fico a pensar: que magnífico odor exalará um corpo que desobriga o seu dono daquelas maçadas que todos nós, os brutos, somos obrigados a cumprir? “No meu caso não!”. Eu oiço isto e vem-me à memória o jovem Arnau Estanyol: - Pai […], que dizem os livros acerca de nós, camponeses? - Dizem que somos animais, brutos, e que não somos capazes de entender o que é a cortesia. Dizem que somos horríveis, vis e abomináveis, desavergonhados e ignorantes. Dizem que somos cruéis e toscos, que não merecemos nenhuma honra porque não sabemos apreciá-la, e que só somos capazes de entender as coisas à força. Dizem que…

25 novembro 2008

NÃO DIGAM MAIS NADA...

Numa recente entrevista ao Correio da Manhã a ministra da educação confessou que “se o governo suspendesse a avaliação seria uma vergonha”. Note-se que a senhora não disse que tinha que se avançar com este modelo de avaliação porque esse era o caminho certo. Não. O que ela disse é que não recuava porque isso seria uma vergonha. Enquanto os nossos políticos continuarem a governar para as aparências, borrifando-se para o interesse do país, parafraseando Millôr Fernandes, continuaremos fodidos!
No dia seguinte uma reunião em Coimbra de um ministro com professores socialistas. À primeira vista pensar-se-ia que a assistência era, por assim dizer, "alinhada". As televisões deram-nos uns segundos do conclave. Enquanto o ministro tentava convencer as hostes a câmara mostrou a assistência. De semblantes fechados, não conseguiam, nem para a câmara, disfarçar o que lhes ia na alma. No final um dos jornalistas colheu a opinião de um dos participantes. Apesar do cartão e da proximidade do ministro, o homem, com indisfarçável irritação, lá foi dizendo que o ministério teria de recuar sob pena de “perdermos” muitos votos. Enquanto tivermos professores que acham que se deve recuar, não pelo interesse do ensino mas para não perder votos nas próximas eleições, parafraseando Millôr Fernandes, continuaremos fodidos!
Ontem no P’rós e Contras, o secretário Pedreira, quando questionado sobre as razões pelas quais o ministério não ouve os cento e vinte mil professores que lhes têm assoprado aos ouvidos e não deixa de imediato cair este famigerado modelo para começar a trabalhar noutro ainda a tempo de ser implementado neste ano lectivo, candidamente, respondeu: “Estamos quase em Dezembro. Agora é já tarde para mudar”. O secretário não disse que este modelo era para avançar porque era o ideal para o nosso sistema de ensino. Não. O que ele disse foi que não se podia já suspender porque agora era tarde demais. Enquanto tivermos políticos que andam durante meses a fazer orelhas moucas àquilo que todos lhe querem dizer para, no fim, dizerem que agora é tarde, parafraseando Millôr Fernandes, continuaremos fodidos!

24 novembro 2008

E ESSE DIA HÁ-DE VIR!

...
Apesar de você
amanhã há-de ser outro dia.
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
...
Chico Buarque, "Apesar de você"

FOSSEM ASSIM TODOS...

«O meu pai não é um assassino e também não é um herói. É apenas um homem, desesperadamente humano, capaz do pior e do melhor.»
Nicolas D’Estienne D’Orves, "Os Órfãos do Mal"
Fossem assim todos os pais e o mundo seria, certamente, melhor.

21 novembro 2008

LIÇÃO DE ZOOLOGIA

invertebrado, adj. (zool.) diz-se dos animais desprovidos de endosqueleto desenvolvido (com vértebras) e crânio propriamente dito, em oposição aos vertebrados ou craniotas.
Dicionário da Língua Portuguesa, 6.ª Edição, Porto Editora

Foram necessárias 120 000 vozes, gritando em uníssono, para que a ministra, finalmente, entendesse, embora que apenas um bocadinho, aquilo que todos os professores lhe vêm dizendo há meses: «Tenho de reconhecer que a forma como estávamos a concretizar a dimensão relativa aos resultados escolares não era confortável, nem razoável, mas excessiva, desajustada e com erros técnicos» disse. Entretanto perderam-se meses de trabalho, o ambiente nas escolas degradou-se, a paciência dos professores esgotou-se, as aprendizagens, fatalmente, ressentiram-se. E tudo porquê? Ora, porque é caprichosa e teima em ouvir sempre uns figurões que ainda a confundem mais. Um deles, aquele do “bamos promober um encôuntro” que sempre louvou as virtualidades do modelo, secundando incessantemente as palavras de tudo quanto era ministro ou secretário, hostilizando sempre os professores, vem agora dizer, depois do recuo, que agora é que sim “cremos que estom criadas as condições para no aprofundamento de uma escuta atiba e dum diálogo consequente seja possíbel lebar a cabo a abaliação do desempenho dos docentes num quadro de serenidade num quadro de serenidade e tranquilidade que as escolas precisam e portanto faz falta que todos nós atrabés da cominicaçom social possamos dizer que o ministério reconhece que deberia ter sido mais generoso em matéria daquilo que eram as questões que tinham sido lebantadas de dificuldades objectibas de aplicaçom do modelo o que foi feito hoje foi o lebantamento exaustivo dessas questões e foram imbentariadas soluções para todos os casos”.
É, convenhamos, uma nítida evolução do seu pensamento acerca do processo de avaliação do pessoal docente... pensamento, disse eu? Parece que não interiorizei bem a lição de hoje. De qualquer modo, honra lhe seja feita, nem um contorcionista conseguiria tal proeza… a coluna vertebral não o permitiria.

18 novembro 2008

SÓ PARA OS AMIGOS

Senhor primeiro-ministro, eu sei que o senhor é visita assídua deste blog e, perdoe-me a imodéstia, sei, até, que o tem em boa conta. Como sei tudo isso vou esclarecê-lo sobre um assunto porque, por mais do que uma vez, já o vi meter os pés pelas mãos. É sobre a avaliação dos professores. Ainda um dia destes, em Ponte de Lima, enquando distribuía autógrafos pelos alvoroçados alunos – é campeão! dizia o senhor com a mesma convicção com que eu diria que este ano, finalmente, os políticos vão deixar de mentir ao povo – e prantava uma série de Magalhães – duzentos e sessenta ao que me dizem - na frente das criancinhas que os receberam com “um brilhozinho nos olhos” como reconheceu junto do seu staff, que recolheria, depois das fotografias da praxe, para continuar o seu reclame noutra escola, dizia aos jornalistas, com aquele seu ar de homem providencial: “Eu não quero que os professores passem mais trinta anos sem serem avaliados!” Cometeu, como vem cometendo desde há tempos, um erro grosseiro. Na realidade, aquilo que o senhor vem dizendo, é uma grande mentira. Compreendo que uma pessoa não pode saber tudo. Nem mesmo sendo o primeiro-ministro. Sei também que não arranjou uma grande equipa para o elucidar. Começando pela doutora Maria de Lurdes, sempre a humedecer aqueles lábios finos antes de cada frase. Deve ser intragável – refiro-me, claro está, às suas qualidades de conversadora –, sempre a martelar as suas ideias sem dar qualquer oportunidade ao interlocutor. E eu sei que, tal como eu, também o senhor primeiro-ministro gosta de uma boa cavaqueira. E cavaqueira pressupõe diálogo! Tenho quase a certeza que também o senhor não apreciará nada a sua companhia. Podia perguntar àquele senhor da carapinha que fala sempre com aquela falta de voz como se tivesse passado metade da noite a puxar pela equipa. Mas, para lhe ser franco, parece que também por aí não ganharia grande coisa. A sensação que dá ao ouvi-lo é que diz sempre a mesma coisa, independentemente dos assuntos, e isso pode tornar-se perigoso. É que, normalmente, não acerta. Temos depois o senhor da careca, aquele que quando é apanhado em falso, e é-o muitas vezes, fica com a moleirinha brilhante de suor e desata a dizer que a culpa é dos adversários e dos manobradores. Também parece faltar-lhe aquele distanciamento essencial a uma pessoa sensata. Sobra aquele senhor que costuma dizer: “bamos promober um encôuntro” e que tenho visto, juntamente com vossa excelência, a distribuir Magalhães e a lambuzar as criancinhas com beijos mas, também por aí, basta o dito senhor abrir a boca para ficarmos a saber o que dele se pode esperar. De modo que, tirando a ministra, subtraindo o da carapinha, deduzindo o da careca e descontando o do encôuntro, quem resta?
Então vamos lá: para dar cumprimento ao art. 42.º do ECD o docente terá de, até sessenta dias antes do prazo legal para mudança de escalão apresentar um relatório que incida sobre toda a actividade desenvolvida, individualmente ou em grupo, no plano da educação e do ensino e da prestação de outros serviços à comunidade, durante o período de tempo a que diz respeito.
De acordo com o estipulado no art. 6.º do Dec. Reg. n.º 14/92 e salvaguardando outra informação que o docente ache por bem fornecer, o relatório deverá, obrigatoriamente, considerar os seguintes itens: a) Serviço distribuído b) Relação pedagógica com os alunos c) Cumprimento de programas curriculares d) Desempenho de cargos directivos e pedagógicos e) Participação em projectos e actividades desenvolvidas no âmbito da comunidade educativa f) Acções de formação frequentadas e unidades de crédito obtidas nas mesmas g) Contributos inovadores no processo de ensino/aprendizagem h) Estudos realizados e trabalhos publicados i) Níveis de assiduidade j) Eventuais sanções disciplinares k) Possíveis louvores e distinções.
No fim o relatório é analisado por uma comissão de avaliação que propõe uma nota final que tanto pode ser negativa como positiva. Está a ver senhor primeiro-ministro, e não me venha com figuras de retórica, se a apreciação pressupõe uma nota quer dizer que houve uma avaliação. Pena é que em vez de se melhorar aquela que se já conhecia se tenha ido copiar a primeira que apareceu. [A propósito: ouvi a senhora ministra da educação há dias dizer que trabalharam “naquilo” durante dois anos. Será verdade senhor primeiro-ministro? É que estou em crer que, mesmo com o meu castelhano hesitante, não demoraria mais do que quinze dias a traduzir aquela trapalhada toda].
Bom, será o tempo do senhor cá vir e tenho a certeza que mais uns dias e passará a falar claro sobre a avaliação dos professores. Passe muito bem e, se lhe for possível, mande a ministra p’rá terra.

13 novembro 2008

OVAÇÃO [2]

Os vândalos do Secundário – ou adversários da política educativa, no dizer do secretário Pedreira –, voltaram a manifestar-se. Agora em Lisboa, na Secundária de D. Dinis, os alunos voltaram a atacar uma equipa ministerial. Embora tivessem diversificado as munições, além dos ovos tinham também tomates, o seu objectivo não foi inteiramente atingido: a equipa de intervenção rápida da PSP foi chamada à escola para pôr na ordem a chusma dos perigosos desordeiros e, segundo declarações dos responsáveis pelas forças da ordem, apesar de ter havido arremesso de alguns ovos, nenhum acertou nas viaturas nem em ninguém da comitiva.
E ainda não foi desta que o país viu, na abertura dos Telejornais, a carapinha do secretário Valter salteada com ketchup ou a careca do colega Pedreira a escorrer gema de ovo.

12 novembro 2008

OVAÇÃO [1]

Ontem, em Fafe, os alunos do Secundário presentearam a ministra da educação – ou o seu automóvel, para sermos mais precisos – com uma monumental chuva de ovos, que só não tomou ainda maiores proporções porque, chamada a intervir, a GNR confiscou uma parte considerável das munições. “Foi a única maneira de nos fazermos ouvir!”, diriam os adolescentes. Pouco tempo depois, o primeiro-ministro, naquela sua vozinha de cana rachada, afivelando a costumeira expressão de quem acaba de assistir à lapidação de uma virgem, bufa por cima do ombro para os jornalistas que não conseguem acompanhar a sua passada atlética: “Lamentável, absolutamente lamentável!” À parte a opinião de cada um, acerca do sucedido, há duas notas a reter de todo este imbróglio. A primeira é que, analisando com rigor o comportamento da ministra, somos levados a concluir que, pelo menos em parte, os alunos têm razão: por meios civilizados a ministra não ouve ninguém. Já a segunda é de molde a descansar os nossos espíritos inquietos: a geração que aí vem continua interventiva. À noite, ligo a televisão e um peralta com uns ridículos óculozinhos de aros grená pedia desculpa à ministra pelo sucedido. De repente ainda pensei que era um dos mariolas que tinha atacado a senhora e agora demonstrava o seu arrependimento, mas não, era tão-somente o presidente da câmara reprovando com veemência a atitude dos seus munícipes e lamentando a sua pouca sorte: tinha posto o maior dos empenhos naquela visita da governante, tinha posto uns óculos à Sarah Palin e uma gravatinha de seda a condizer e, de repente, vê uma camada de energúmenos a rapinarem-lhe esse gosto. “Esta atitude envergonha-me” diria.
Tenha cuidado senhor presidente. Olhe que os imberbes já votarão nas próximas eleições e na hora de votar pode ser que se lembrem do que acaba de dizer.

10 novembro 2008

ESTAMOS FODIDOS!


Quando o último manifestante mal tinha, ainda, abandonado a Rotunda já um jornalista, comentando a jornada, dizia do alto da sua sapiência: «Os professores têm de ser avaliados! Nós aqui também somos avaliados. Todas as organizações avaliam o seu pessoal.» Mais tarde diria ainda: «A ministra não pode ceder. Se o fizesse teria outras classes profissionais a encher as ruas reclamando cinco por cento de aumento.». No recato do meu lar, depois de ouvir isto, lembrei-me de Millôr Fernandes: Estamos fodidos!
A opinião pública não entende patavina do que se passa. Com pouca capacidade de analisar o mundo, não conseguiu, ainda, desembaraçar-se daquela ideia simples que um dia lhe transmitiram: “Os professores não querem é trabalhar!” Aqueles que têm por missão informar, separando o trigo do joio, afinal, vemos agora, também não perceberam nada do que realmente se está a passar – recuso-me, até ver, a aceitar aquela hipótese mais maquiavélica de, “não quererem” perceber – e continuam a sua cruzada de imbecilidades que em nada contribui para a resolução deste gravíssimo problema. Se não vejamos: Partindo do princípio que o jornalista não tinha qualquer inconfessável interesse em deturpar as coisas, erra quando diz que os professores têm de ser avaliados. Na realidade os professores sempre foram avaliados e querem continuar a sê-lo só não querem é este sistema de avaliação arbitrário, incoerente e injusto que o senhor jornalista, ainda para mais no papel de comentador de temas de educação, de todo, não conhece. No item “Preparação para o desenvolvimento dos temas a tratar” poderia ter um dez (excelente), ou um oito (muito bom), ou um sete (bom) ou, até um seis (regular), mas como mostrou uma total impreparação terá, tão só, um três (insuficiente). No item “Conhecimento dos temas tratados” continua a não poder levar mais do que um três (insuficiente). Pensava que os professores estavam lá a reclamar o aumento de ordenado. Finalmente, no item “Percepções do público ouvinte” levará outro três. Enganou-o. Disse-lhe que os professores têm de ser avaliados [porque] nós aqui [na estação] também somos avaliados [e] todas as organizações avaliam o seu pessoal. Disse-lhe que a ministra não pode ceder [porque] se o fizesse teria outras classes profissionais a encher as ruas reclamando cinco por cento de aumento. Disse-lhe tudo isto e o público ouvinte, com a sua capacidade de síntese, interpretou: “Os professores não querem é trabalhar!” O jornalista comentador de quem falo tem nome, ouvi-o ontem de manhã na RTPN mas o nosso drama, é que me poderia estar a referir a um comentador em abstracto que não seria necessário alterar nem uma vírgula, tal é a homogeneidade de pensamento que patenteiam.
E enquanto este estado de coisas não se alterar todos perdemos. Mesmo que artificialmente, se apresentem belas estatísticas sobre a melhoria do ensino no país – o público não sabe que é impossível melhorar em apenas um ano os resultados escolares em mais de vinte por cento mas abre a boca de espanto –, o nosso ensino público continuará a definhar. E a quem me disser que a criação das elites dirigentes está assegurada pelas selectivas escolas privadas dir-lhe-ei que nunca uma batalha foi ganha apenas pelos generais.