28 dezembro 2009

BOM ANO

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SÍSIFO

Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XIII

MESMO SEM "BIG BROTHER"

O mundo, já o sabemos, é um lugar perigoso para se viver. Se há países que encaram este problema com uma certa despreocupação, outros há que o levam muito a sério. Por razões óbvias mas que não vêm ao caso, os Estados Unidos da América deve ser o país que, de entre todos os países do mundo, suscita maiores inimizades. De modo que tentam, de uma forma obsessiva, diga-se, estreitar o mais que podem as portas por onde pode entrar o perigo. Ainda não as conseguiram fechar totalmente mas acalentam uma secreta esperança de o virem a alcançar, mesmo que na jornada o revés espreite a cada virar de esquina. Quando pensavam que o sistema de segurança nacional era infalível lá vem o Mohamed Atta lembrá-los que há ainda muito trabalho a fazer.
É depois do vil atentado de 2001 que começam a surgir evoluídos programas de computador que conseguem escrutinar os milhares de milhões de mensagens que circulam pela net – “… os computadores […] forçavam a sua entrada em sistemas de dados protegidos..." – à procura de indícios que os levem à descoberta de grupos hostis que possam atentar contra a segurança da nação. De um modo simplista diríamos que o que esses programas fazem é procurar palavras ou associações de palavras que possam configurar uma mensagem susceptível de ter sido escrita ou enviada por alguém que possa fazer perigar o american way of life. Estes modernos Big Brother terão atingido um tal grau de especialização que conseguem, literalmente, medir o pulso a uma nação. Pelos vistos, o modo como escrevemos e as palavras que em cada momento aplicamos na escrita diz muito do nosso estado de espírito do momento, isto é, quando estamos contentes empregamos palavras que não empregaríamos se estivéssemos tristes, e vice-versa, de modo que, em cada momento, é possível saber o grau de satisfação dos habitantes de uma nação. Ora qualquer governante “moderno” que se preze não desdenhará possuir sempre à mão uma informação deste tipo, caso contrário terá de se guiar por conhecimentos empíricos que nem sempre resultam – hoje o Benfica ganhou ao Porto, amanhã aumentamos os impostos que o pessoal nem nota.
Sempre achei estranho que o Sócrates, um governante “moderno” e todo virado para o markting e para as cibernéticas, nunca tenha mostrado interesse por esta poderosa ferramenta. Sempre achei estranho. Até hoje.
Pelos vistos circula pela net há já uns meses mas só agora chegou cá. A história é a seguinte: Jorge Viegas Vasconcelos era presidente da ERSE, Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, um organismo que praticamente ninguém conhece e que, em boa verdade, dos que conhecem, poucos saberão para que serve. O senhor Vasconcelos, a dado passo, pediu a demissão do seu cargo porque, segundo consta, queria que os aumentos da electricidade ainda fossem maiores. Tudo bem, a sua não venceu e o homem pediu a demissão. Ora, quando alguém se demite do seu emprego, fá-lo por sua conta e risco, não lhe sendo devidos, pela entidade empregadora, quaisquer reparos, subsídios ou outros quaisquer benefícios. Porém, com o senhor Vasconcelos não foi assim. Na verdade, ele vai para casa com 12 000 euros por mês – ou seja, 2.400 contos – durante o máximo de dois anos, até encontrar um novo emprego. E aqui, já perplexos, perguntamos: «Então o senhor demitiu-se, isto é, despediu-se por vontade própria, e ainda fica a receber 12 000 euros por mês? Quem mais, neste país, se despede a ainda fica a receber?» Quando alguém, enojado pelo sucedido, perguntou ao ministro da Economia, como era possível que acontecesse tal coisa, a resposta veio clara: «O regime aplicado aos membros do conselho de administração da ERSE foi aprovado pela própria ERSE e de acordo com artigo 28.º dos Estatutos da ERSE, os membros do conselho de administração estão sujeitos ao estatuto do gestor público em tudo o que não resultar desses estatutos». Isto é, sempre que os estatutos da ERSE foram mais vantajosos para os seus gestores, o estatuto de gestor público não se aplica ou, dizendo de outra forma: o senhor Vasconcelos e os seus amigos do conselho de administração, apesar de terem o estatuto de gestores públicos, criaram um esquema ainda mais vantajoso para si próprios, como seja, por exemplo, ficarem com um ordenado milionário quando resolverem demitir-se dos seus cargos. Como alguém dizia, trata-se, obviamente, de um escândalo, de uma imoralidade sem limites, de uma afronta a milhões de portugueses que sobrevivem com ordenados baixíssimos e subsídios de desemprego miseráveis. Trata-se, em suma, de um desenfreado, abusivo e desavergonhado abocanhar do erário público.
Pois é, depois de saber isto compreendo o Sócrates: para quê o Big Brother se já sabemos o estado de espírito dos portugueses?

22 dezembro 2009

FELIZ NATAL

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A PALAVRA MAIS BELA

Fui ver ao dicionário de sinónimos
A palavra mais bela sem igual
Perfeita como a nave dos Jerónimos...
E o dicionário disse-me NATAL.

Perguntei aos poetas que releio:
Gabriela, Régio, Goethe, Poe, Quental,
Lorca, Olegário... e a resposta veio:
Christmas... Noel... Natividad...Natal...

Interroguei o firmamento todo!
Cobras, formigas, pássaros, chacal!
O aço em chispa, o «pipe-line», o lodo!
E a voz das coisas respondeu NATAL.

Cânticos, sinos, lágrimas e versos:
Um N, um A, um T, um A, um L...

Perguntei a mim próprio e fiquei mudo...
Qual a mais bela das palavras, qual?
Para quê perguntar se tudo, tudo,
Diz Natal, diz Natal, e diz Natal?!

Adolfo Simões Müller

21 dezembro 2009

DUAS BOMBAS A BORDO

A história foi contada por John Allen Paulos, professor universitário de Matemática em Filadélfia. Um empresário, cujos negócios reclamavam constantemente a sua presença nos mais variados locais do globo, alarmado com a falta de segurança nas viagens aéreas e com as preocupantes notícias de tomadas de aviões por terroristas a soldo de organizações apostadas em subverter a ordem estabelecida, decidiu fazer algo em prol da defesa da sua integridade física.
Na semana seguinte teria de se ausentar novamente para uma área do globo de onde chegavam notícias pouco animadoras em matéria do cumprimento da lei e da ordem. Começou então por telefonar para a agência de viagens. Queria saber qual a probabilidade de haver uma bomba a bordo de um avião. O funcionário da agência achou a pergunta estranha, mesmo para os tempos que corriam, mas lá lhe disse que a probabilidade de isso acontecer era muito baixa, não mais do que 1 para 10 000. O empresário, parecendo não ficar muito satisfeito com a resposta, agradeceu e desligou. Pouco depois o telefone da agência voltou a tocar. Era novamente o senhor da bomba. Agora queria saber qual seria a probabilidade de haver duas bombas a bordo do mesmo avião. Se já a primeira pergunta lhe tinha parecido disparatada esta ainda mais, mas, conhecedor do cálculo de probabilidades, o funcionário da agência de viagens lá lhe foi dizendo que a probabilidade de haver duas bombas a bordo do mesmo avião seria o quadrado da probabilidade de haver apenas uma, logo, não mais do que 1 para 100 000 000. Agora sim, o industrial ficou contente com a resposta. Agradeceu, agora de uma forma mais expansiva, e desligou.
Algum tempo mais tarde, o funcionário da agência de viagens leu num jornal que num aeroporto tinha sido preso um passageiro que se preparava para embarcar com uma bomba na bagagem. Quando a polícia o interrogou, disse que levava a bomba na mala apenas para diminuir o risco de haver uma bomba a bordo.
Lembrei-me desta história quando li um estudo onde se dava conta dos proventos auferidos pelos gestores da nossa praça. Apesar de levarem para casa bem mais que os seus colegas Japoneses, Finlandeses ou Noruegueses, estranhei aquelas quantias tão magras para quem tem a maçada de dirigir grandes empresas – ainda que por vezes seja para arruiná-las – de modo tentei aprofundar a coisa. E lá estava: tal como o empresário cagarolas – ou previdente, não sei, nem consegui apurar – que viajava com uma bomba na mala para baixar a probabilidade de um atentado a bordo, também o autor do estudo juntou à amostra todo o bicho careta que se intitula de gestor, parece que para baixar os números, e foi naquilo que deu. Caso contrário os resultados teriam sido bem mais consonantes com aquilo que, infelizmente, se vai ouvindo dizer. Se não note-se: em média os nossos gestores auferem 230 ooo euros por ano, contas redondas, diz o estudo, mas isto é quando se introduz o “factor da bomba” porque se assim não fosse os números seriam assustadores. Sim, assustadores. Se não vejamos: considerando apenas os gestores de todas as empresas cotadas na bolsa o pecúlio subiria para quase o triplo deste valor, em rigor 595 000 euros, o que nos colocaria em segundo da lista só ultrapassados pelos abastados gestores americanos, mas, se apenas se considerassem os gestores das empresas que compõem o PSI 20concluir-se-ia que, em média, cada gestor leva todos os anos 777 000 euros para casa, ou, para se compreender melhor a desumanidade do número, cada gestor ganha tanto num ano como um trabalhador auferindo o salário mínimo, contando já com o aumento prometido e os 14 ordenados anuais, ganharia em 3 vidas – isso mesmo, 3 vidas, 117 anos de trabalho.