16 junho 2013

A IMPORTÂNCIA DE SABER REGRESSAR

Costuma dizer-se que nunca devemos regressar a um lugar onde já fomos felizes. Está claro que este é um dito como outro qualquer. Um político, se lhe fosse pedido um comentário sobre esta expressão, desbobinaria a narrativa - engraçado, desde há uns meses a esta parte, sempre que utilizo esta palavra "narrativa" vem-me à memória um certo figurão que um dia desembarcou por cá vindo de Paris (da Sciences Po de Paris, assim é que é) e desatou a disparar narrativa a torto e a direito. E de tal modo o fez que agora, sempre que penso utilizar o termo, dou por mim a procurar sinónimos. As palavras, sei-o agora, não são seres inanimados: desengane-se quem assim pensa. As palavras têm vida própria e, tal como qualquer mortal, são prejudicadas quando as companhias com que privam são pouco recomendáveis. A narrativa é um caso paradigmático. Há-de passar ainda muito tempo até que seja reabilitada – desbobinaria a narrativa, dizia, que utilizaria se a pergunta fosse sobre as últimas sondagens: enfim, essa expressão vale o que vale - diria.
Voltando, então, ao lugar onde já fomos felizes: parece-me que, as mais das vezes, dá-se a esta frase uma interpretação linear. Por ignorância ou por má fé, alguns querem ver aqui a proibição do regresso ao lugar da felicidade: nada disso. A frase pretende, tão só, avisar-nos que nunca devemos esperar encontrar esse lugar onde já fomos felizes porque esse lugar já não existe. Desde logo porque quando lá regressarmos já seremos outros. A frase, não pretendendo proibir-nos o regresso, longe disso, pretende, isso sim, ajudar-nos a evitar o desconsolo que um segundo olhar pode trazer. Por isso, quando oiço pessoas a dizer que a frase é uma parvoíce, vejo que não entenderam nada.
Regressemos, então, e agora para ficar, ao que nos trouxe aqui: "O retrato da mãe de Hitler", o último romance de Domingos Amaral. Há seis anos o autor deu à estampa "Enquanto Salazar dormia" que, não sendo uma obra que tivesse impressionado a Academia Sueca, era, mesmo assim, um livro muito agradável de ler. Talvez encorajado pelo êxito desse romance o autor decidiu agora voltar à Lisboa dos espiões da 2.ª guerra que tanto o tinham feito feliz há seis anos. O romance é, ou pelo menos pretende ser, a continuação do anterior, mas, terminada a sua leitura, fica-se com a sensação que o autor tinha ficado com bastante material não utilizado no romance anterior e, em vez de o atirar para o local apropriado, compilou-o e fez um livro. Além da forma original mas pouco verosímil da narrativa – agora não consegui fugir-lhe – o livro não traz nada de novo: já tudo tinha sido dito no anterior. Tivesse Domingos Amaral consultado Luisinha, a filha rebelde do general situacionista, apaixonada pelo espião, e esta, da mesma forma que tinha declarado, ao olhar para a sua fotografia num passaporte falso que lhe permitiria sair do país quando a PVDE estava quase a apanhá-la, «Pareço a Joana Fontaine em Rebecca», diria que o remake era de evitar porque, além de criar a sensação de requentado, era sempre pior que o original. E diria mais: diria que podia sempre regressar a quarenta e dois mas nunca esperando encontrar os locais, as pessoas e as ideias inalterados, porque o tempo era já outro.
Mas não consultou e por isso, o regresso, foi, pelo menos para mim, uma desilusão.