19 maio 2007

SEREMOS DIGNOS DELES?

Ouvi ontem que Nicolas Sarkozy, quer que se institucionalize o acto de ler a todos os estudantes franceses, no início de cada ano lectivo, a carta que Guy Môquet, escreveu na véspera da sua morte. Fez bem. Isto, está claro, descontando qualquer eventual propósito inconfessável do populista Sarkozy. Talvez ponha alguns jovens a pensar, e isso é sempre bom.
Adivinham-se as razões pelas quais o novel presidente francês tomou esta decisão. Môquet, um jovem de dezassete anos, é um exemplo de coragem e amor à pátria.
Guy Môquet, filho de um deputado comunista, nasceu em 1924. Era um membro activo da Juventude Comunista, ao tempo da ocupação da França pela Alemanha Nazi. A 13 de Outubro de 1940, enquanto distribuía propaganda anti-Nazi numa estação de metro de Paris, Guy é preso pelos alemães e enviado para o campo de internamento de Châteaubriant onde se encontram detidos outros militantes comunistas. A 22 de Outubro de 1941, em represália pela execução, dois dias antes, de Karl Hotz, comandante das tropas de ocupação, às mãos de três jovens comunistas de Nantes, Guy, e outros 26 companheiros, é fuzilado em Paris. Môquet, o mais jovem dos 27 cai, diz-se, às dezasseis horas.
Na véspera da sua morte, denotando uma presença de espírito impressionante para quem tem pouco mais de dezasseis anos escreve:


Minha querida mãezinha, meu adorado irmãozinho, meu amado paizinho
Vou morrer! O que vos peço, sobretudo a ti, mãezinha, é que sejais valentes. Eu sou-o e quero sê-lo, assim como todos os que morreram antes de mim. Sem dúvida, gostaria de viver. Mas o que desejo de todo o coração é que a minha morte sirva para alguma coisa. Não terei tempo de abraçar Jean. Abracei os meus dois irmãos Roger e Rino. Não o pude fazer com o verdadeiro, lamentavelmente. Espero que te entreguem toda a minha roupa, porque poderá servir para Serge; dou por certo que estará feliz por poder usá-la algum dia. Paizinho, sei que, tal como à mãezinha, te causei bastantes desgostos e saúdo-te pela última vez. Quero que saibas que fiz todo o possível para seguir o caminho que me indicastes.
Um último adeus a todos os meus amigos, e ao meu irmão, a quem quero muito. Que estude para que seja um homem.

Dezasseis anos e meio. A minha vida foi curta, não lamento nada, apenas deixar-vos. Vou morrer com Tintin e Michels. Mamã, peço-te, quero que me prometas que serás valente e ultrapassarás os desgostos. Não posso escrever mais. Deixo-vos a todos, a todas. A ti, mamã, ao Serge, ao papá, abraçando-vos com todo o meu coração de menino. Força!
O vosso Guy, que vos quer.

P.S. Aos que ficam, sede dignos de nós, dos 27 que vamos morrer.

11 maio 2007

NÃO VÁ...

A minha amiga Helena Guerreiro, sempre atenta às inovações que vão acontecendo por esse mundo cão, descobriu uma que, a ser implementada cá, evitaria, com toda a certeza, muitas idas ao psiquiatra e ao otorrino. Então o que descobriu a Helena? Descobriu que na América, tal como cá, os chatos dos paizinhos dos alunos fazem trinta por uma linha aos professores dos seus rebentos. Vai daí, numa escola secundária da Califórnia, os professores sugeriram que, para poupar a comunidade escolar a incómodos vários, deveriam ser gravadas no atendedor de chamadas da Escola uma série de mensagens que funcionariam assim como que um sistema de Manchester. Desconheço se a sugestão foi, ou não, aceite e implementada, mas, não tenho dúvidas que se o foi, será um êxito.
Vamos então às mensagens gravadas:

Olá! Foi direccionado para o atendedor automático da escola. De forma a podermos ajudá-lo a falar com a pessoa certa, por favor ouça todas as opções antes de fazer a sua selecção:
– Para mentir sobre a justificação das faltas do seu filho, pressione a tecla 1
– Para inventar uma desculpa sobre porque é que o seu filho não fez o seu trabalho, tecla 2
– Para se queixar sobre o que nós fazemos, tecla 3
– Para insultar os professores, tecla 4
– Para saber por que razão não recebeu determinada informação que já estava referida no boletim informativo ou em diversos documentos que lhe enviámos, tecla 5
– Se quiser que lhe criemos a sua criança, tecla 6
– Se quiser agarrar, tocar, esbofetear ou agredir alguém, tecla 7
– Para pedir um professor novo, pela terceira vez este ano, tecla 8
– Para se queixar dos transportes escolares, tecla 9
– Para se queixar dos almoços fornecidos pela escola, tecla 0
– Se já compreendeu que este é o mundo real e que a sua criança deve ser responsabilizada e responsável pelo seu comportamento, pelo seu trabalho na aula, pelos seus TPC’s, e que a culpa da falta de esforço do seu filho não é culpa do professor, desligue e tenha um bom dia!

05 maio 2007

ARBEIT MACHT FREI

"A viagem não durou mais de vinte minutos. Depois o camião parou, viu-se uma grande porta, encimada por umas palavras fortemente iluminadas (a lembrança dessas palavras ainda me assalta nos sonhos): ARBEIT MACHT FREI, o trabalho liberta"

Primo Levi, Se isto é um homem


A fazer fé nas notícias que me chegaram, Paulo Portas foi passar o 1.º de Maio à Madeira. Dito deste modo, até parece que o homem foi em lazer, mas não, a visita teve como objectivo apoiar o CDS da ilha na campanha eleitoral para as legislativas antecipadas. Não sei se arengando às massa, ou instado por algum jornalista, Paulo Portas – Paulinho dos mercados, para os mais chegados –, lá foi dizendo, presume-se que naquele seu jeitinho populista, sobre o dia que se comemorava: “para nós, CDS/PP, trata-se de um festejo que acarinhamos”. Até aqui tudo bem. Embora dito desta forma soe, como diria o outro, esquisito, todos nós, por qualquer razão, acarinhamos o Primeiro de Maio. Mas Portas continuou: “Nós acreditamos no valor do trabalho”. Sim, de acordo, também nós! “Nós acreditamos que o trabalho liberta”.
Nós, que nos lembramos, ainda, o que aconteceu a todos aqueles a quem um dia foi dito que “o trabalho liberta”, não gostamos de ouvir, naquelas circunstâncias, repetidas essas palavras por um político da nossa praça.
Paulo Portas, a par de muitos defeitos – que os terá, naturalmente –, é uma pessoa inteligente. Sabe a conotação daquelas palavras e, se o quisesse, teria encontrado outras que dissessem o mesmo. Mas não o fez. Porquê? Terá sido porque quaisquer outras que arranjasse nunca teriam a mesma força? Ou porque só com aquelas conseguia expressar o seu pensamento, em toda a sua plenitude?