O personagem galga sofregamente as escadas acossado pela matilha de jornalistas. As luzes mordem-lhe o cachaço cabeludo mas ele não vacila. Trota sem parar. Quase no cimo, olha por cima do ombro para o último resistente e dispara numa vozinha cómica, quase infantil: “No meu caso não!”. Satisfeito, o jornalista interrompe, por fim, a perseguição e fica a ver a “presa” alcançar o último patamar e, no seu passinho miúdo de Charlot, desvanecer-se de encontro à luz que jorra lá do fundo e ilumina a cena.
Podia ser o plano de um filme da série B. Tinha todos os condimentos para tal. Mas não. A cena nada tinha de ilusório. O doutor Sebastião é o presidente da Autoridade da Concorrência. O seu amigo de longa data e ministro da economia, Manuel Pinho, viu nele predicados mais do que suficientes para um bom desempenho do cargo e escolheu-o. Paralelamente, o doutor Sebastião pertencia à direcção da ordem dos economistas. Pertencia e ainda pertence. Dito de outra forma: o doutor Sebastião enquanto membro da direcção da ordem dos economistas vai ser investigado pelo doutor Sebastião enquanto presidente da Autoridade da Concorrência. Os estatutos deste último organismo dizem claramente que está vedado aos membros do Conselho o exercício de quaisquer funções públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, com excepção da docência a tempo parcial no ensino superior mas, quando o jornalista lhe lembrou isto, o doutor, candidamente, assegurou: “No meu caso não!”.
Eu oiço isto e fico a pensar: que magnífico odor exalará um corpo que desobriga o seu dono daquelas maçadas que todos nós, os brutos, somos obrigados a cumprir? “No meu caso não!”. Eu oiço isto e vem-me à memória o jovem Arnau Estanyol: - Pai […], que dizem os livros acerca de nós, camponeses? - Dizem que somos animais, brutos, e que não somos capazes de entender o que é a cortesia. Dizem que somos horríveis, vis e abomináveis, desavergonhados e ignorantes. Dizem que somos cruéis e toscos, que não merecemos nenhuma honra porque não sabemos apreciá-la, e que só somos capazes de entender as coisas à força. Dizem que…
Podia ser o plano de um filme da série B. Tinha todos os condimentos para tal. Mas não. A cena nada tinha de ilusório. O doutor Sebastião é o presidente da Autoridade da Concorrência. O seu amigo de longa data e ministro da economia, Manuel Pinho, viu nele predicados mais do que suficientes para um bom desempenho do cargo e escolheu-o. Paralelamente, o doutor Sebastião pertencia à direcção da ordem dos economistas. Pertencia e ainda pertence. Dito de outra forma: o doutor Sebastião enquanto membro da direcção da ordem dos economistas vai ser investigado pelo doutor Sebastião enquanto presidente da Autoridade da Concorrência. Os estatutos deste último organismo dizem claramente que está vedado aos membros do Conselho o exercício de quaisquer funções públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, com excepção da docência a tempo parcial no ensino superior mas, quando o jornalista lhe lembrou isto, o doutor, candidamente, assegurou: “No meu caso não!”.
Eu oiço isto e fico a pensar: que magnífico odor exalará um corpo que desobriga o seu dono daquelas maçadas que todos nós, os brutos, somos obrigados a cumprir? “No meu caso não!”. Eu oiço isto e vem-me à memória o jovem Arnau Estanyol: - Pai […], que dizem os livros acerca de nós, camponeses? - Dizem que somos animais, brutos, e que não somos capazes de entender o que é a cortesia. Dizem que somos horríveis, vis e abomináveis, desavergonhados e ignorantes. Dizem que somos cruéis e toscos, que não merecemos nenhuma honra porque não sabemos apreciá-la, e que só somos capazes de entender as coisas à força. Dizem que…