29 janeiro 2007

E O TIBET: COMO VAI?

Depois de alguns avanços e outros tantos recuos – coisa de somenos ao que nos dizem os organizadores de eventos do Palácio das Necessidades – o primeiro-ministro parece que lá partirá amanhã para a China. Na bagagem leva, com toda a certeza, um sem número de dossiers de natureza económica e comercial e, eventualmente, uma ou outra treta politicamente correcta.
Se lhe sobrasse algum do seu precioso tempo, nestes seis dias em que visita a China, gostaria que indagasse junto das autoridades do país, da sorte que terá cabido às duas monjas tibetanas, Kyzom e Yangdöl, que há 10 anos fugiram do sua pátria ocupada, atravessando, a pé, os Himalaias.
Esta viagem épica é-nos contada por Philippe Broussard no seu livro Os Rebeldes do Himalaia. A prisão das monjas por terem o "atrevimento" de clamarem por liberdade para a sua pátria, as sevícias sofridas no degredo, as privações na travessia dos Himalaias, os problemas com as autoridades Nepalesas, o pânico constante de serem descobertas e enviadas de novo para o cárcere, até à almejada liberdade em Dharamsala, no norte da Índia, junto do dalai-lama, também ele lá exilado.
Gostava de saber como está Ursinho que pouco depois de chegar a Dharamsala tomou a decisão de voltar ao Tibete. Mesmo depois de todos os sacrifícios para lá chegar, não deixou de experimentar um certo sentimento de culpa por saber que a verdadeira luta só podia ser travada do outro lado das montanhas, no seu país. Mesmo arriscando-se a ser de novo presa e torturada, regressou ao Tibete.
Broussard termina o seu livro dizendo: "... ignoro onde se encontra hoje Ursinho, a rebelde de Dharamsala. Sem dúvida numa cela em Gutsa, em Trisam, em Drapchi, culpada de ter querido o impossível: a liberdade".
Mesmo que ao nosso primeiro-ministro sobrasse algum do seu precioso tempo não averiguaria, certamente, a sorte das monjas. Os objectivos da sua viagem são outros e, de qualquer modo, quem se interessa pela luta de um povo, ainda que íntegro, mas que ninguém conhece?

13 janeiro 2007

MÁS-LÍNGUAS

Há alguns anos abriu em Viana um simpático cafezinho a que foi dado o nome de Amarillo. Recordo-me que a primeira vez que vi o nome gravado nas vitrinas me lembrei da Amarillo das revistas e dos filmes de cowboys e dos duelos na rua principal debaixo do sol impiedoso do meio-dia. Isto, numa altura que uma certa família ainda não tinha trazido má fama ao Texas.
Apesar de por vezes a música parecer uma Techno Parade, gosto de, uma vez por outra, sentar-me um pouco e ler o JN ou então o Público que a casa todos os dias põe à disposição dos seus clientes. Ontem, ao fim da tarde, fui ao Amarillo. Peguei no Notícias que estava livre e sentei-me a uma mesa. A música não incomodava – Techno não pode ser sempre – abri o jornal e comecei a ler. Na mesa ao lado, duas criaturas, professoras pelo que se depreendia das suas palavras, mostravam-se chocadas com a atitude de uma terceira, pelos vistos, das suas relações. Trejeito daqui, esgar dali, má-língua dacolá, lá iam apunhalando a amiga ausente.
Eu, ouvinte acidental de toda aquela conversa, lembrei-me de uma anedota que o meu amigo Aires me tinha contado algumas horas antes:
Na altura do Natal dois clítoris passeavam por uma rua da baixa admirando as montras decoradas para a quadra. Então diz um para o outro:
- Ouvi dizer que não consegues atingir o orgasmo?
- Olha filha, más-línguas! Más-línguas, é o que é!
Voltando às professoras. Alguém dizia, algures, que é a conversa das mulheres que faz girar o mundo. Começo a pensar que talvez tenha razão. Depois de um chorrilho de frases incompreensíveis – não porque ciciassem mas, simplesmente, porque falavam em simultâneo –, finalmente, uma começou a dizer algo que teve o condão de emudecer a amiga:
- Então não queres saber que foi para Paris nas férias do Natal e só veio ontem? Quase duas semanas depois de as aulas terem começado? E depois admiram-se da ministra fazer o que faz!
- Uma falta de responsabilidade intolerável! – gania a outra.
Não havia condições para ler. O tempo em que, estudante universitário no Porto, conseguia estudar no meio do ambiente atroador do Café Cenáculo, já passou há décadas. Agora, sem silêncio, tenho dificuldade em concentrar-me na leitura. Dobrei o jornal, voltei a colocá-lo no cesto e saí.
Pela rua ia pensando na conversa que desencaminhou a minha leitura: foi de férias e voltou quase duas semanas após o início das aulas!
Não, só pode ser má-língua das invejosas das amigas!

11 janeiro 2007

BEM-VINDO A CASA!

O Presidente da República já aterrou na Índia. Com o seu séquito – esperemos que não de Diogos Cães engalanados – o país regressa ao Oriente. Antes ainda de partir, o Presidente lembrou que esta viagem tinha, apenas, motivações políticas e económicas e não seria nunca uma peregrinação pelas memórias do império. Fez muito bem em proferir tais palavras – nem se esperaria outra coisa de um Presidente da República de um país soberano e civilizado que parte para uma visita a outro estado soberano e civilizado –, mas no mais recôndito do seu ser ter-lhe-á vindo à memória a extraordinária aventura protagonizada pelos portugueses de quinhentos. Disso não tenho dúvidas.
A mim, que o vejo partir, vem-me à memória uma admirável crónica de um atento espectador da alma lusa: Fernando Alves. Há 10 anos, fá-los-á lá mais para Setembro, o cronista foi também à Índia. De uma crónica dessa vagem respiguei o seguinte excerto:
A ventoinha está sempre a rodar, no restaurante do Hotel Venite, na Rua 31 de Janeiro em Pangim. Há uma velha rabeca pendurada na parede e há também um retrato do Sagrado Coração de Jesus. […] Alguém escreveu num português sem mácula, em letras toscas, na parede mais larga da sala: «A nossa especialidade é galinha assada com batatas fritas». Há vinhos de distintas proveniências, há o inevitável xarope Mateus Rosé, mas o melhor é pedir Kingfisher muito fresca e esperar que a ventoinha não pare de rodar. […] a varanda do restaurante do Hotel Venite, em Pangim, não dando, é certo, para o Rio Mandovi, não respondendo aos desejos dos que procuram Forte Aguada e as mais belas praias do mundo, não dando senão para os telhados da 31 de Janeiro onde pousam os corvos negros da Índia, dá, todavia, para o mais íntimo da andarilha alma portuguesa. […] Sentado a essa varanda de Pangim escutei uma inesperada canção de Né Ladeiras que o jovem Raghu Gadhi foi pôr a girar num leitor de cassetes quando percebeu uma lusitana melancolia nos meus olhos. E foi nessa varanda de Pangim que vislumbrei o símbolo do Sporting pintado na parede da loja de Bento Miguel Fernandes. Bento Fernandes havia de me abrir os braços e as histórias e havia de me mostrar as fotografias com Eusébio, Toni, Damas e outros veteranos, que há pouco mais de um ano foram jogar futebol a Goa. Ao contar as tardes de petiscos portugueses no Clube Vasco da Gama, o senhor Bento abraçou-me como se eu fosse do Sporting e mostrou-me os retratos autografados de Eusébio e Toni como se eles fossem do Sporting, que é o mais popular clube do mundo, em Goa. E eu percebi que no abraço emocionado de Bento Fernandes, na alegria de poder falar uma língua diariamente agredida por ministros e outros doutores, ele dizia Sporting como se dissesse uma secreta ideia de pátria comum. E nesse fim de tarde na rua 31 de Janeiro em Pangim, durante uma hora, eu fui, com orgulho, do Sporting.”
Uma última nota: nos antípodas de Pangim, do imenso Brasil chegam-me também sinais da alma lusitana. O Pedro Nelito e os amigos estão compondo um fado. Querido amigo – permita-me que o trate desta forma – bem-vindo a casa!