21 março 2011

TEMPO QUASE PERFEITO


Ontem chegaram as primeiras andorinhas. A Primavera “rebenta” por aí e não tarda, os jacarandás estarão em flor. Não fora uns imbecis que todos os dias nos atormentam e este seria um tempo perfeito.
Hoje é o dia da poesia e para o comemorar escolhi um belo poema de Alfonso Castelao, um poeta popular Galego, que Dulce Pontes canta admiravelmente: Lela.


LELA

Están as nubes chorando
Por un amor que morreu
Están as ruas molladas
De tanto como choveu

Lela, Lela
Lelina por quen eu morro
Quero mirarme
Nas meninas dos teus ollos

Non me deixes
E ten compasión de min
Sen ti non podo
Sen ti non podo vivir

Dame alento das tuas palabras
Dame celme do teu corazón
Dame lume das tuas miradas
Dame vida co teu dulce amor

Alfonso Castelao, 1886/1950

19 março 2011

QUANDO EU MORRER...


[...]

Quando eu morrer, filhinho,

Seja eu a criança, o mais pequeno.

Pega-me tu ao colo

E leva-me para dentro da tua casa.

Despe o meu ser cansado e humano

E deita-me na tua cama.

E conta-me histórias, caso eu acorde,

Para eu tornar a adormecer.

E dá-me sonhos teus para eu brincar

Até que nasça qualquer dia

Que tu sabes qual é.
[...]

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos"

15 março 2011

SERENIDADE

No meio da desolação causada pelo desastre, um japonês de cabelo grisalho, com o telefone emprestado pelo jornalista português, avisa, finalmente, o filho na América, que perdeu tudo mas salvou a vida: «Tive muita sorte», dizia. Depois da chamada, em conversa com o português, confessava que o único conforto que lhe restava ainda, era a lua radiosa e as estrelas a brilhar no escuro da noite.
Um dia, se fosse, também, atingido por uma desgraça, gostava de ter esta serenidade e este desprendimento para dizer o mesmo.
Do alto da poltrona onde me encontro, olhando aterrado o horror e a destruição, lembro-me de John Kennedy: «Eu sou um Japonês!»

12 março 2011

OPÇÕES

Quando li na imprensa que, no ano passado, Silvio Berlusconi tinha gasto 34 milhões de euros em prendas para as amigas lembrei-me do vaidosão do nosso primeiro-ministro. Pelos vistos aqueles fatinhos que ele veste e que de vez em quando, para seu gáudio, uma ou outra revista da especialidade diz que lhe ficam bem, são comprados no Rodeo Drive em Beverly Hills, ao que dizem, a loja mais cara do mundo. Quanto ao local onde faz as compras até se compreende, o homem sempre teve propensão para representar, mas dar 50 dólares por umas peúgas e 50 mil por um fato é obra, para não dizer coisa pior. Não que tenha algo a ver com o modo como o homem gasto o dinheiro que ganhou com o suor do seu rosto, mas não gosto nada de ver escrito no cristal da montra da lojinha exclusiva onde só entra um cliente de cada vez: «primeiro ministro de Portugal». Os americanos que por lá passam e lêem o nome dos clientes, se souberem o que é Portugal, devem pensar o mesmo que eu quando penso nos luxos de que se rodeiam alguns líderes africanos no meio da pobreza mais abjecta.
Mas voltemos a Il Cavaliere: eu, que sou do Sul e um bocado para o Marialva, confesso que apreciaria mais ter lido no jornal que o primeiro ministro de Portugal gastou 50 mil em putas do que o ter gasto num fatinho por medida na casa de Bijan.

08 março 2011

DIA INTERNACIONAL DA MULHER


estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.
[...]

José Luís Peixoto, "a mulher mais bonita do mundo"

06 março 2011

CRÓNICAS POUCO REACCIONÁRIAS

Um dia, um dirigente de uma poderosa estação de televisão, do qual não me lembra nome nem condição, procurando exemplificar o poder da TV dizia: «Se a televisão não mostrou o incêndio na floresta, será que ela, realmente, ardeu?»
Vezes sem conta tenho-me lembrado desta tirada premonitória. Depois de ter lido o último livro de António de Sousa Homem, veio-me, novamente, à memória, o episódio do incêndio da floresta.
António de Sousa Homem nasceu no Porto, fará por estes dias, 91 anos, mas desde a década de oitenta do século passado que vive em Moledo. Assim mesmo: Moledo. A importância da terra não exige o “do Minho” para que todos saibam de que se trata.
António de Sousa Homem é um velho reaccionário. Imagino-o no melhor quarto do ermitério de Moledo - como carinhosamente gosta de chamar à sua casa -, com vista para o oceano, rodeado de livros, de mesuras e de cuidados, vigiando as nórdicas no areal, não pelas razões inconfessáveis que o faria esse outro velho sapo das Caraíbas, mas apenas para que qualquer Frísia de pele tisnada pelas inclemências do clima minhoto, não venha perturbar a paz familiar nem a ordem natural das coisas.
O livro é uma compilação de crónicas. Dúzias e dúzias de crónicas onde o velho celibatário minhoto perscruta o quotidiano da terra, reverencia a vida e a obra do velho Doutor Homem, seu pai, e, qual sátiro sem vergonha, xinga com a distinção da família que continua a venerar o senhor Dom Miguel. Verão após verão, assusta-se com as hordas de veraneantes que lhe entram pelas portas adentro e por lá acampam até finais de Agosto. O Doutor é um homem atento. Recordando o episódio do incêndio na floresta: se a crónica o não noticiou será que, realmente, houve nortada em Moledo?
O Dr. Homem “repete-se até à eternidade convencido de que tem, ainda, alguma coisa para dizer, mesmo num país que preza galantemente a ignorância” mas é com um prazer imenso que da primeira à última página o leitor toma conhecimento dos devaneios amorosos do tio Alberto, das dúvidas existenciais da sobrinha Maria Luísa, dos medos da tia Benedita e das aventuras do sobrinho Pedro. O Dr. Homem pode repetir-se, já ganhou permissão para tal e, de qualquer modo, não se pode chamar a isso repetir, é, tão somente, vincar bem as ideias.
Proximamente, António de Sousa Homem vem à Biblioteca Municipal falar do seu último livro de crónicas: “Um Promontório em Moledo”. Lá estarei para ouvir as suas histórias. Como se fora a primeira vez.