Tenho para mim que todos aqueles que gostam de livros têm uma lista dos que, por circunstâncias várias, ainda não leram mas não perderam a esperança de vir, um dia, a fazê-lo. A minha é imensa – refiro-me à lista, entenda-se. Foram lá parar pelas mais variadas razões: porque os folheei e gostei do que vi; porque me foram aconselhados por quem pode – sim porque dar conselhos sobre livros não é para quem quer é para quem pode –; porque li sobre eles e fiquei convencido e até, pasme-se, porque “toda a gente lê” – hei-de, se para isso me não faltar a coragem, ler o Ulisses de James Joyce. Do Joyce como familiarmente diz o pessoal mais pretensioso como se o tivesse acompanhado nuns fins de tarde a esvaziar uns copos de Guinness no pub lá da rua. Desconfio bastante deste pessoal mais afectado mas, mesmo assim, não vou riscá-lo da lista. Veremos no que dá. Bom, dizia eu que a minha lista é imensa. Um dia, ainda que longínquo, todos aqueles títulos saltarão para a minha mesa-de-cabeceira e então, só então, poderei saber se valeu a pena a espera. Até lá, para me não amargurar a delonga, vou-me socorrendo da confidência de Miguel Torga. Com a provecta idade de 75 anos – confidenciou-o ao seu Diário nos princípios de 1983 –, Torga, experimentou, pela primeira vez, os prazeres das aventuras de Júlio Verne, o humorista da imagem, como lhe chamou. “Júlio Verne […] que não me povoou de aventuras a infância, obrigada a contentar-se com as histórias da senhora Maria Ambrósia, enriqueceu de franca alegria algumas horas da minha velhice”. Quando sou apanhado em falta, lembro-me do poeta.
"Olhai os lírios do campo" ainda não li. Está na minha lista. Já quase apagado pelo uso mas, estoicamente, resistindo. Está lá, se me não atraiçoa a memória, por três razões: a primeira remete-me para a minha infância e juventude. Tenho por adquirido que, por mais do que uma vez, nos livros de texto de Português li extractos de obras de Veríssimo. Li e gostei. A decisão de, futuramente, o incluir na lista, terá começado a fermentar por essa altura. A segunda razão é, à falta de melhor classificação, do foro estético: diz respeito ao título. Considero o título importantíssimo. Reconheço ter algumas dúvidas que um bom título torne boa uma má obra mas do que não duvido é que um fraco título pode assassinar uma boa obra. "Olhai os lírios do campo" é, sobre qualquer prisma que o observemos, um título notável. A terceira razão, esta mais prosaica, tem a ver com o nome do autor. Nunca me saiu da cabeça que o “mangas-de-alpaca”, na hora de assentar o nome da criança, comeu um u e, ali mesmo, determinou que a criança seria Erico até ao fim dos seus dias.
Este texto, publicado inicialmente em 12 de Dezembro p.p., foi premiado no sorumbático.