Quem nos pôs aqui sabia muito bem o que estava a fazer. Senão reparem: podia ter-nos posto em Mercúrio. É tão telúrico como nós. Mas não o fez. Se fossemos lá colocados, a cada oitenta e oito dias, nem sequer a cada trimestre, a cada oitenta e oito míseros dias, lá estávamos nós a desejar tudo de bom, como agora se diz - não sei aonde vai o pessoal beber estas modas; é quase como os políticos e os locutores de televisão que dizem «Há cinco anos atrás…» ainda gostava de saber como será há cinco anos à frente – bem, dizia eu, desejar tudo de bom a toda a gente. E isso cansava. Era dizer quatro vezes por ano – ano dos nossos, claro - a mesma coisa. Imagine-se o pessoal a comer as passas e a desejar a queda do governo e ter, ainda que na pior das hipóteses, de repeti-lo por dezasseis vezes antes do dito cair. Uma eternidade. Não dá. Além da caloraça que por lá faz – muito pior que na Amareleja - a vida tornava-se muito repetitiva. Tão repetitiva e enfadonha que o Manuel de Oliveira estava por estes dias a fazer quatrocentos e trinta e dois anos; notem bem, quatrocentos e trinta e dois. Assim não dá. Risque-se Mercúrio!
Podia, então, ter-nos posto em Marte. Ficaríamos mais aconchegadinhos, é certo, porque o condomínio é bem mais acanhado, mas até dava jeito para combater o frio que por lá iríamos rapar. Mas não nos pôs. E fez muito bem! Seria uma seca ter de esperar quase dois anos dos nossos para desejar tudo de bom aos amigos. Imagine-se ter de esperar dois anos para pedir a queda do governo… É verdade que se poupava em passas mas não compensava o que se gastava em tédio. Note-se que lá o Oliveirinha dos filmes era ainda um jovem de pouco mais de cinquenta anos. Demasiado parado: risque-se Marte!
Podia ainda ter escolhido Plutão mas ainda bem que não o fez. Primeiro porque não iríamos ganhar para aquecimento e depois porque haveria de chegar – como chegou – a altura em que os sábios da astronomia haveriam de desclassificá-lo e seria de muito mau gosto a gente viver num planeta que, veio a saber-se mais tarde, não passava de um plutóide. Assim mesmo, plutóide, que, para todos os efeitos, não passa de uma forma gentil de dizer que agora Plutão é um calhau.
De modo que, riscando-se também Plutão e subtraindo os gasosos, o que sobra? Pois é, quem nos pôs aqui sabia, realmente, o que estava a fazer. É o sítio ideal. O único onde um “ano” vale precisamente um ano, nem mais, nem menos. E um ano, todos o sabemos, nem é demasiadamente curto nem excessivamente longo. É por isso que, no dealbar de um novo ano, cá estou eu a desejar que os teus sonhos se realizem e os teus pesadelos se não cumpram.
Vamos agora dar a palavra a quem, realmente, merece. Carlos Drummond de Andrade dizia isto muito melhor do que eu digo:
Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante,
vai ser diferente.
1 comentário:
Sonhos e realidades andam sempre de mãos dadas. Esta será uma boa forma de ver o mundo, seja em que local do universo me encontrar...
Bom ano
Maria
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