Um dia, um dirigente de uma poderosa estação de televisão, do qual não me lembra nome nem condição, procurando exemplificar o poder da TV dizia: «Se a televisão não mostrou o incêndio na floresta, será que ela, realmente, ardeu?»
Vezes sem conta tenho-me lembrado desta tirada premonitória. Depois de ter lido o último livro de António de Sousa Homem, veio-me, novamente, à memória, o episódio do incêndio da floresta.
António de Sousa Homem nasceu no Porto, fará por estes dias, 91 anos, mas desde a década de oitenta do século passado que vive em Moledo. Assim mesmo: Moledo. A importância da terra não exige o “do Minho” para que todos saibam de que se trata.
António de Sousa Homem é um velho reaccionário. Imagino-o no melhor quarto do ermitério de Moledo - como carinhosamente gosta de chamar à sua casa -, com vista para o oceano, rodeado de livros, de mesuras e de cuidados, vigiando as nórdicas no areal, não pelas razões inconfessáveis que o faria esse outro velho sapo das Caraíbas, mas apenas para que qualquer Frísia de pele tisnada pelas inclemências do clima minhoto, não venha perturbar a paz familiar nem a ordem natural das coisas.
O livro é uma compilação de crónicas. Dúzias e dúzias de crónicas onde o velho celibatário minhoto perscruta o quotidiano da terra, reverencia a vida e a obra do velho Doutor Homem, seu pai, e, qual sátiro sem vergonha, xinga com a distinção da família que continua a venerar o senhor Dom Miguel. Verão após verão, assusta-se com as hordas de veraneantes que lhe entram pelas portas adentro e por lá acampam até finais de Agosto. O Doutor é um homem atento. Recordando o episódio do incêndio na floresta: se a crónica o não noticiou será que, realmente, houve nortada em Moledo?
O Dr. Homem “repete-se até à eternidade convencido de que tem, ainda, alguma coisa para dizer, mesmo num país que preza galantemente a ignorância” mas é com um prazer imenso que da primeira à última página o leitor toma conhecimento dos devaneios amorosos do tio Alberto, das dúvidas existenciais da sobrinha Maria Luísa, dos medos da tia Benedita e das aventuras do sobrinho Pedro. O Dr. Homem pode repetir-se, já ganhou permissão para tal e, de qualquer modo, não se pode chamar a isso repetir, é, tão somente, vincar bem as ideias.
Proximamente, António de Sousa Homem vem à Biblioteca Municipal falar do seu último livro de crónicas: “Um Promontório em Moledo”. Lá estarei para ouvir as suas histórias. Como se fora a primeira vez.
2 comentários:
Viva!
Sempre vim ler o blogue, que vai passar a ser visitado amiúde.
Já agora, fica uma data: o Dr. António Sousa Homem nasceu no dia 16 de Março de 1921. ;)
Um abraço e até breve.
Paulo F Correia
Bem vistas as coisas, trata-se de um homem. E que homem!
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