04 janeiro 2009

OS LÍRIOS DO ERICO ESTÃO NA LISTA

Tenho para mim que todos aqueles que gostam de livros têm uma lista dos que, por circunstâncias várias, ainda não leram mas não perderam a esperança de vir, um dia, a fazê-lo. A minha é imensa – refiro-me à lista, entenda-se. Foram lá parar pelas mais variadas razões: porque os folheei e gostei do que vi; porque me foram aconselhados por quem pode – sim porque dar conselhos sobre livros não é para quem quer é para quem pode –; porque li sobre eles e fiquei convencido e até, pasme-se, porque “toda a gente lê” – hei-de, se para isso me não faltar a coragem, ler o Ulisses de James Joyce. Do Joyce como familiarmente diz o pessoal mais pretensioso como se o tivesse acompanhado nuns fins de tarde a esvaziar uns copos de Guinness no pub lá da rua. Desconfio bastante deste pessoal mais afectado mas, mesmo assim, não vou riscá-lo da lista. Veremos no que dá. Bom, dizia eu que a minha lista é imensa. Um dia, ainda que longínquo, todos aqueles títulos saltarão para a minha mesa-de-cabeceira e então, só então, poderei saber se valeu a pena a espera. Até lá, para me não amargurar a delonga, vou-me socorrendo da confidência de Miguel Torga. Com a provecta idade de 75 anos – confidenciou-o ao seu Diário nos princípios de 1983 –, Torga, experimentou, pela primeira vez, os prazeres das aventuras de Júlio Verne, o humorista da imagem, como lhe chamou. “Júlio Verne […] que não me povoou de aventuras a infância, obrigada a contentar-se com as histórias da senhora Maria Ambrósia, enriqueceu de franca alegria algumas horas da minha velhice”. Quando sou apanhado em falta, lembro-me do poeta.
"Olhai os lírios do campo" ainda não li. Está na minha lista. Já quase apagado pelo uso mas, estoicamente, resistindo. Está lá, se me não atraiçoa a memória, por três razões: a primeira remete-me para a minha infância e juventude. Tenho por adquirido que, por mais do que uma vez, nos livros de texto de Português li extractos de obras de Veríssimo. Li e gostei. A decisão de, futuramente, o incluir na lista, terá começado a fermentar por essa altura. A segunda razão é, à falta de melhor classificação, do foro estético: diz respeito ao título. Considero o título importantíssimo. Reconheço ter algumas dúvidas que um bom título torne boa uma má obra mas do que não duvido é que um fraco título pode assassinar uma boa obra. "Olhai os lírios do campo" é, sobre qualquer prisma que o observemos, um título notável. A terceira razão, esta mais prosaica, tem a ver com o nome do autor. Nunca me saiu da cabeça que o “mangas-de-alpaca”, na hora de assentar o nome da criança, comeu um u e, ali mesmo, determinou que a criança seria Erico até ao fim dos seus dias.


Este texto, publicado inicialmente em 12 de Dezembro p.p., foi premiado no sorumbático.