29 fevereiro 2008

TALVEZ O DN

Durante as vinte e quatro horas de um dia, se atentarmos um pouco (um pouco basta) nas notícias que nos bombardeiam, ouvimos coisas extraordinárias. Anteontem de manhãzinha, na televisão, falava-se de avaliação dos professores. A ministra da educação e uma roda de jornalistas. Três milhões de euros p’ráqui, providência cautelar p’ráli, decisão favorável dos tribunais p’rácolá, por fim lá vem a pergunta: “E quanto à avaliação dos professores, em que pé estão as coisas?”. Dos lábios finos da ministra sai esta coisa extraordinária: “A avaliação dos professores é um processo que está a decorrer em todo o país em absoluta normalidade”. Alguns segundos depois, as imagens que ilustravam a notícia seguinte davam conta das manobras nocturnas de mais de dois mil e quinhentos professores de Coimbra que marchavam em protesto pelas trapalhadas do ministério da educação. Ouvi isto e fiquei estuporado. Dei por mim a pensar no New York Times do David Rockfeller. Conta-se – conta-o José Saramago n’O Ano da Morte de Ricardo Reis –, que para o fim da vida, Rockfeller morreu em 1937 com a provecta idade de 98 anos, enquanto a América se debatia, ainda, com as sequelas da grande depressão e na Europa os sinais do caos que se avizinhava eram já bem visíveis, o New York Times fazia todos os dias um exemplar único do jornal, falsificado de uma ponta à outra, só com notícias agradáveis e artigos optimistas para que o pobre velho não [tivesse] de sofrer com os terrores do mundo e suas promessas de pior.
Será que o Público edita diariamente uma edição extirpada de todas as desgraças para que a ministra da educação não se sinta amargurada com as banalidades do povo? Não, o Público não! O Público é mais do género Washington Post. Deve ser o Diário de Notícias. É, deve ser o DN. Correio da Manhã ou 24 horas não podem ser: extirpados de desgraças sobrariam, apenas, classificados.
O Doutor Monteiro anda assoberbado com trabalho. Tivesse um tempinho livre e pedíamos-lhe que investigasse.

24 fevereiro 2008

QUEM NÃO TEM CÃO CAÇA COM GATO!


No meio das toneladas de lixo com que os meus amigos entendem por bem atafulhar a minha caixa de correio, aparecem, ainda que raramente, algumas pérolas pelas quais vale a pena ter o trabalho de enviar todas as outras direitinhas para o lixo. A última foi a foto que acompanha este texto. Confesso que me ri a bandeiras despregadas.
Lembrei-me, ao vê-la, de um episódio rocambolesco que metia também uma cadeira. Há muito tempo, tanto que já lhe perdi a conta, no meu círculo de amigos havia um que tinha o infeliz hábito – infeliz e irritante, diga-se – de distribuir cumprimentos. Fazia-o, dando-nos arreliadoras palmadas nas costas, tal como hoje, estupidamente, o fazem os jogadores de futebol, nas cabeças dos colegas bem sucedidos. Enfim, o regresso às cavernas. Voltemos ao abusador. Talvez porque o seu estatuto económico fosse bem mais elevado que o dos restantes – na altura tinha já um emprego especializado que lhe rendia um ordenado acima da média, ao passo que os outros ou frequentavam ainda a escola, ou tinham um emprego mais precário, ou nem uma coisa nem outra – achava ele, que nós, os tesos, devíamos prestar-lhe vassalagem. O vil metal a isso nos obrigava e, se bem que não apreciássemos aquele peculiar modo de cumprimentar, lá o íamos aturando, afastando, sempre que possível, os nossos prezados espinhaços das suas manápulas. Mas lá chegou a altura em que a sua sorte mudou. Um dia, estávamos nós calmamente conversando – sobre a vida, quem sabe – quando chegou o nosso amigo capitalista, começando, de imediato, a distribuir cumprimentos. Mas, ou porque não estivesse em dia sim ou porque estivesse já saturado de cumprimentos tão efusivos, um dos da roda, tão logo recebeu a palmada no costado, levantou-se, como que impulsionado por uma mola, amarrou na cadeira que em que estava sentado e, com incontida raiva, fê-la voar de encontro às espáduas do amigo. Naquele momento o destemido foi o nosso herói. Fez o que todos, há muito, desejávamos fazer. Quanto ao abusador, foi remédio santo: mudou de cumprimento e, paulatinamente, foi-se afastando do grupo. Enfim, digamos que se mataram dois coelhos de uma cajadada só ou, melhor dizendo, de uma cadeirada.
Agora, vendo a fotografia, sou levado a concluir que a serventia de uma cadeira pode ser bem menos prosaica do que descansar o traseiro ou assestá-la na lombada de um amigo abusador: traçar, com rigor, o gráfico de uma função afim.

05 fevereiro 2008

... E O BURRO SOU EU?

Um destes dias uma cadeia britânica de televisão resolveu fazer um estudo – à escala nacional, diz-se – sobre os conhecimentos da juventude britânica em matéria de História. Entrevistaram uma amostra de três mil jovens com menos de 20 anos e, tratados os dados, obtiveram resultados preocupantes. Bem, melhor dizendo, preocupantes para eles, para mim foram hilariantes. Algumas pérolas saídas do dito: Winston Churchill, que a gente pensava ter sido Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha durante a II Guerra Mundial e o Rei Ricardo I, Coração de Leão, que tínhamos como um dos líderes da terceira cruzada, o terror dos infiéis na Terra Santa, são, afinal, figuras de ficção. Sherlock Homes, o metódico investigador, criado pelo escritor britânico Sir Arthur Conan Doyle e Robin Hood, o príncipe dos ladrões, um fora-da-lei que roubava dos ricos para dar aos pobres, esses sim, ao contrário do que pensávamos, foram personagens com uma existência real.
Parafraseando Luiz Felipe Scolari: então Artur, o da Távola Redonda, foi rei de Inglaterra? E Charles Dickens é uma personagem da banda desenhada? E o burro sou eu? E o ruim sou eu?