21 março 2012

HOMEM, QUE FAZES TU?



Murmúrio de água na clepsidra gotejante,
Lentas gotas de som no relógio da torre,
Fio de areia na ampulheta vigilante,
Leve sombra azulando a pedra do quadrante,
Assim se escoa a hora, assim se vive e morre…


Homem, que fazes tu? Para quê tanta lida,
Tão doidas ambições, tanto ódio e tanta ameaça?
Procuremos somente a Beleza, que a vida
É um punhado infantil de areia ressequida,
Um som de água ou de bronze e uma sombra que passa…

EPÍGRAFE, Eugénio de Castro, 1864-1944

08 março 2012

ELAS ESPALHAM A DESORDEM

Elas tecem o desacato com engenho, na mansa lentidão dos dias; tão depressa suspiram maleitosas, ensimesmadas e aflitas, como em tudo inventam supérfluos motivos de riso e de alegria.
Elas cantam, rodopiam, dançam, interpretam peças maliciosas e declamam poemas.
Elas confrontam-nos com o rasto do mal, usando perfumes de gardénia, de nardo e de almíscar, odores doces e turvos, a fazerem esvoaçar a roda das saias folhadas, rendadas.
Elas usam nos lábios e nas faces o carmim das rosas selvagens, pondo igual desvario nas vestes e nas ideias.
Elas são altivas e vaidosas, escrevem poesia, discutem filosofia, lêem livros proibidos.
Elas tresandam a heresia com as suas atitudes e ideias pervertidas; provocam com estouvamentos e arroubos.
Elas gostam do luxo.
Elas trazem consigo ideais perigosos, instruem-se, estudam, perseguem a utopia, na constante busca extremada da Luz, em busca do atordoamento do novo.
Elas cultivam a desobediência e os rancores, sarcásticas e vingativas. Regem-se por regras próprias.
Elas questionam os dogmas, duvidam da fé, não cortam a raiz da tentação e das dúvidas.
Elas espalham a desordem.


Adaptado de “As Luzes de Leonor” de Maria Teresa Horta


Leonor de Almeida Portugal, neta dos marqueses de Távora, após o nebuloso processo que devastaria a sua família, foi enclausurada no convento de Chelas, juntamente com a mãe e a irmã, contava, então, oito anos de idade. Por lá ficariam durante dezanove anos até à morte do Rei D. José e ao consequente afastamento de Sebastião José de Carvalho e Melo. O marquês de Pombal tentava, deste modo, calar a descendência dos marqueses de Távora mas Leonor, amante da liberdade e ávida de Luz nunca se aquietou nos espaços lúgubres de Chelas não dando descanso à madre superiora que, vezes sem conta, se queixou ao bispo de Lacedemónia do comportamento indecoroso daquelas em que «corria nas veias sangue envenenado e ruim dos Távoras». Sirvo-me de uma das queixas da prioresa para render a minha singela homenagem a todas as nossas fortes mulheres que, perante as dificuldades, se recusam a claudicar.