23 outubro 2011

INSTANTES QUE BRILHAM

A história passou-se vai para mais de 20 anos. Por alturas da primeira guerra do golfo, quando na contenda ainda não tinha sido dado o primeiro tiro, ocupados que estavam os contendores a contar espingardas, um repórter conseguiu chegar à fala com o comandante de uma célebre companhia britânica que tinha a fama, e, ao que dizem, também o proveito, de fazer sempre o “trabalho” bem feito. Não me recordo já da maioria das perguntas que o jornalista fez mas há uma que continua vívida na minha memória como se tivesse sido feita ainda hoje: qual o segredo para que a companhia seja sempre tão eficaz no cumprimento das missões que lhe são cometidas?
Não é de bom tom o entrevistador expor na entrevista os seus estados de alma, pretende-se, isso sim, que leve o outro a revelar os seus, mas não será difícil de adivinhar aquilo que esperaria ouvir na resposta do coronel: muito treino, muita garra, muita bravura, armas do tempo da guerra das estrelas e outras coisas do mesmo jaez, por isso imagino a cara de indisfarçável assombro do periodista quando ouviu o coronel responder candidamente que o segredo estava no estômago. «Os meus homens sabem que têm as suas necessidades básicas asseguradas e a necessidade primeira é a alimentação. Um soldado esfomeado jamais conseguirá cumprir convenientemente a sua missão».
A Escola Básica da Abelheira conseguiu, nos exames nacionais do 9.º ano de Matemática de 2011, o melhor resultado do país entre as escolas básicas da rede pública. Quando tomei conhecimento desta verdadeira lança em África conseguida pela minha escola, veio-me à memória a admirável historia do Coronel que velava pelo estômago dos seus soldados para que estes se concentrassem, unicamente, naquilo que foram ensinados a fazer. Lembrei-me deste episódio marcial e pensei em como conseguiríamos muito mais se nos fossem asseguradas as necessidades básicas, a começar por uma equipa dirigente que realmente soubesse o que é uma escola, não aquela escola etérea que se consegue divisar do alto dos gabinetes climatizados do ministério mas sim uma escola real, uma escola que só se consegue conhecer descendo ao nível do solo. Não temos tido essa sorte. Há anos que assistimos impotentes à inexorável destruição de tudo o que de bom tinha sido conseguido ao longo de anos e anos de trabalho abnegado. Chegamos a um ponto crítico e isso traz-me à memória os versos do poeta colombiano, Guillermo Valencia, “Há um instante no crepúsculo / em que as coisas brilham mais”. O crepúsculo é aquela parte do dia de claridade mais frouxa que tanto pode anunciar a escuridão da noite como o clarão do dia. Não me recordo já a qual se referia o poeta, e para o caso isso pouca importância terá, mas obrigo-me a pensar que este é o crepúsculo anunciador de um dia radioso. Depois deste resultado continuaremos a trabalhar com o mesmo empenho de sempre e, se calhar, com ânimo redobrado. A satisfação com que todos recebemos a notícia permite afirmá-lo com segurança. Para o ano conseguiremos, certamente, bons resultados nos exames nacionais e, mesmo que as necessidades básicas nos continuem a ser sonegadas, continuaremos a trabalhar com o empenho de sempre.