30 julho 2009

AVIÕES DE PAPEL

Não é costume, mas ontem, mal começou o espectáculo montado para apresentação do programa eleitoral do PS, parti à sua procura. Nisto, como de resto em quase todas as coisas, o melhor é ir às fontes. E lá fui. Abri a página do partido, muito agradável, diga-se, dei uma vista de olhos pelas notícias, mas qualquer coisa me prendeu a atenção que me esqueci completamente do programa do governo: Portugal […] evolui da manutenção para o fabrico de aviões. Olá, isto interessa-me. Não que ainda sonhe em ser piloto. Não, o meu sonho é como o do poeta: quem me dera voar e ter asas, ai deve ser do melhorzinho que existe. Continuei a ler a notícia, de resto, escrita com base num discurso de José Sócrates, por isso confiável – é o nosso primeiro-ministro, que diabo –, e a minha estupefacção ia aumentando quando soube que o investimento […] significa “intensidade tecnológica de know-how e inserção de Portugal no contexto da economia global, num dos sectores de maior investigação e desenvolvimento. A música para os meus ouvidos continuava e sentia começarem a germinar na minha cabeça visões de futuro: um salto tecnológico no nosso país. A partir daqui, Portugal fabrica aviões. Cá está, deixaremos em paz as caravelas e embarcaremos, por fim, rumo ao espaço: Há muitos anos que Portugal devia ter entrada nesta aventura da construção de aviões, porque exige outro know-how, outro saber e outra tecnologia que fica agora aqui sedeado. Ah, finalmente, alguém com visão de futuro que nos vai tirar deste marasmo: Vamos atirar-nos ao trabalhar para que aqui […] nasça um centro aeronáutico que faça uma competição leal com o que há de melhor no mundo. Faltavam apenas duas linhas para acabar a notícia e via já alguém a continuar o trabalho de D. João II. Já não era sem tempo, que diabo. A notícia terminava dizendo que a Embraer pretende instalar duas fábricas no parque industrial aeronáutico de Évora, uma delas de estruturas metálicas e outra para produzir materiais compósitos.
Tive um patife de um professor que quando nos entregava os testes gostava de fazer um pequeno comentário acerca de cada um deles. Normalmente para amesquinhar os alunos, diga-se. Lembro-me que um dia ao entregar o teste a um aluno da turma, começou o seu comentário por dizer que o mesmo estava irrepreensível: o seu teste é o mais bem organizado da turma, ninguém escreve de uma forma mais clara que o senhor, as folhas são de uma limpeza imaculada, o teste é perfeitamente perceptível para quem o corrige, aliás, tão perceptível como este não há outro na turma. Tenho apenas a referir um pequeno senão: o seu teste tem cinco. Verdade se diga que já há muito a turma sabia que aqueles louvores prévios não deviam ser para levar muito a sério. Não era a primeira vez – nem seria a última, com toda a certeza – que o desavergonhado enganava os incautos alunos, mas que diabo, quem, no seu perfeito juízo, iria resistir àquele chorrilho de encómios? Ontem, depois de ler a notícia dos aviões do Alentejo lembrei-me do professor do teste irrepreensível: Então uma fábrica de estruturas metálicas e outra para produção de materiais compósitos é construir aviões?