28 dezembro 2006

NÃO PRECISA BEBER CHAMPANHE...


RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

27 dezembro 2006

THIS IS AMERICA!

Da América continuam a chegar novas que têm, ainda, o condão de nos surpreender. Final do último Super Bowl, um “desporto” esquisito e, pelo menos para mim, intragável e incompreensível, em que uma cambada de embuçados tenta por todos os meios atropelar outra cáfila dos mesmos embuçados. Os ianques, a avaliar pelos níveis de audiência televisiva, são doidos por essa trapalhada. No intervalo da última final, como ia dizendo, actuou a cantora Janet Jackson e o cantor Justin Timberland. Durante a performance, talvez num trejeito mais arrojado, a mama direita da mulata libertou-se do espartilho e mostrou-se ao mundo. Ao que me dizem, a puritana América tê-la-á visto por menos do que um segundo, mas este foi tempo suficiente para que a estação de televisão que transmitiu o espectáculo, a CBS, suponho, tenha sido multada em cerca de meio milhão de dólares.
Ah América, és capaz do melhor e do pior.

SABEDORIA DE CASERNA

Hoje, num dos telejornais da hora do almoço, ouvi uma afirmação extraordinária. Extraordinária por duas razões: em primeiro lugar porque foi proferida por um elemento – graduado, suponho – da GNR e em segundo porque passados todas estas décadas e todos estes milhares de mortos e centenas de milhar de estropiados lá concluíram que a culpa das mortes na estrada era da má educação dos automobilistas. Mas, note-se que esta opinião é apenas daquele militar, o governo continua a dizer que os portugueses – e as portuguesas, como eles gostam de dizer, especialmente quando querem pedir algo, por exemplo, um voto – são pessoas educadas, sensatas, inteligentes, ajuizadas, enfim um chorrilho de imbecilidades que qualquer mortal sabe que soam a falso. Deixem-se disso senhores governantes, “ataquem” já as criancinhas desde o pré-escolar se não vamos continuar a ter gerações de cretinos ao volante. E agora já não temos a desculpa das estradas más e do parque automóvel envelhecido. Ambos estão ao nível do que existe no primeiro mundo. A senhora ministra da educação que, de repente, emudeceu, que se deixe de trapalhadas e que olhe para a situação desastrosa do primeiro ciclo, que é, não tenhamos dúvidas disso, a etapa mais importante da escolaridade do indivíduo. Mas por favor, rodeie-se de pessoas que saibam o que deve ser feito.

24 dezembro 2006

FELIZ NATAL


Amanhã, dia de Natal, fará nove meses que atravessei a fronteira. Durante este tempo conheci alguns amigos, visitei outros e, acima de tudo, diverti-me bastante. Para todos os amigos e visitas cá de casa - Marco Aurélio, o primeiro a dar sinal de vida, Pedro Nelito, António, Tozé Franco, Alda Maia, Magui, Joel, São Ponte, Xico Rocha, Helena Guerreiro, Alex Manzi, Andrea, Isadora Lis, Bruno Vieira, José Marques, Manuel Neves, Jofre Alves, Raposa Velha, Cazento, Mikas, Quintanilha, Armanda, Professorinha, Teresa David e João Moutinho - um feliz natal
Empanturrem-se de batatas, abarrotem-se de bacalhau, atestem-se de um bom verdinho, recheiem-se de doçarias e lambuzem-se de amor.

18 dezembro 2006

JOSÉ ESTALINE: NÃO NOS ESQUECEREMOS!

…Estaline […] levanta-se, beija a namorada na face, canta uma canção, ajuda a filha a fazer os trabalhos de casa e depois manda matar 40 mil pessoas…

Entrevista de Simon Sebag Montefiore ao semanário Sol, 26.Nov.2006


Ióssif Vissariónovitch Djugashvili ou, mais prosaicamente, José Estaline, nasceu na cidade Georgiana de Gori, faz hoje precisamente 128 anos. O mundo, viria a sabê-lo mais tarde, passaria bem sem ele, mas na realidade não teve essa sorte.
O pequeno Ióssif, filho de trabalhadores com poucos recursos, teve uma infância difícil. Chegou a frequentar um seminário na capital da Geórgia, Tbilisi, satisfazendo os anseios da mãe, mas cedo se começou a envolver em actividades subversivas, contestando o regime czarista. Estas acções revolucionárias levá-lo-iam à prisão. Uma vez em liberdade aliar-se-ia a Vladímir Ilitch Uliânov, Lenine, ajudando a arquitectar a Revolução Russa de 1917. A sua ascensão dentro do partido foi meteórica. A astúcia de Estaline, que lhe permitiria manter-se no poder até ao dia da sua morte, começava aí a revelar-se.
Antes da Revolução dirigiu o Pravada, jornal oficial do Partido e, em 1922, é eleito Secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética. Dois anos depois, após a morte de Lenine, ascende à chefia do governo Russo, cargo que desempenharia com mão de ferro e sem piedade até ao fim dos seus dias, a 5 de Março de 1953.
Neste quarto de século terá feito da Rússia uma super potência mas à custa de muito sofrimento, muitos crimes e muitas mortes. Tantas que os historiadores não conseguem, sequer, pôr-se de acordo. Num recente documento do Conselho da Europa, que visa perpetuar a lembrança de todos os crimes contra a humanidade pode ler-se: "Convém não esquecer os crimes do estalinismo, cujas vítimas estão estimadas em 100 milhões de mortos. O regime estalinista recorria a todas as formas de execução de civis: utilizava o gás ou o veneno, ou então fazia o necessário para que as vítimas morressem de fome. Centenas de milhar de pessoas foram expulsas para os confins da Rússia e povoações de todas as nações foram deslocadas. Nas prisões e gulags, milhares de prisioneiros políticos foram vítimas de uma feroz repressão".
Podem começar a levantar-se vozes que tentem reabilitar o nome deste déspota sanguinário, pode até aparecer um ou outro que nos lembre os afazeres domésticos do ditador, que nada nem ninguém conseguirá calar o murmúrio ensurdecedor dos milhões de inocentes que pereceram às suas mãos.

PS. fui "coagido" pelo Pedro Nelito a escrever este post, que, diga-se em abono da verdade, nasceu de um mal entendido. Uma completíssima lista de algozes pode ser consultada aqui.

12 dezembro 2006

SESSÃO DE POESIA

"Tendo problemas de flatulência [...] de vez em quando descuidava-se [...] em cerimónias oficiais, levando-me a acender, de imediato, um cigarro para disfarçar o odor."
in, Eu, Carolina, Carolina Salgado

Consigo imaginar o ambiente numa das famosas sessões de declamação de poesia em que o homem diz participar. Será cada verso cada peido. E os circunstantes, embevecidos, sem notarem sequer aquela atmosfera espessa e pesada, ovacionam-no no fim. O declamante curva-se perante a assistência e aproveita o ruído para largar mais um, agora ruidoso, que o ambiente permite-o.

05 dezembro 2006

A MINHA HOMENAGEM A FIDEL

Enquanto convalesce da arreliadora avaria do intestino, Fidel é informado que o seu amigo Morales está já em viagem para o confortar e lhe oferecer um bolo de coca. O comandante não o diz, mas no íntimo reza a todas as santinhas pedindo-lhes que despenhem o avião e façam o índio e o bolo desaparecerem nas profundezas do triângulo das Bermudas ou nas brumas do mar dos sargaços.
Pelos vistos as santinhas não ouvem os hereges e, por isso, o andino aterrou em Havana são e salvo com a sua picaresca oferenda.
Anteontem, enquanto escrevia o texto anterior, sobre o bolo de coca que Dom Evo ofereceu ao seu guru, lembrei-me de Juan Manuel de Prada. Fidel, não desmerecendo da ascendência galega, sempre foi apreciador da boa mesa mas abomina bolos. Bolos em geral e bolos de coca em particular. De modo que, depois de ler a notícia da visita do índio, por solidariedade com o velho comandante, decidi procurar um livro de Juan de Prada e deliciar-me com um determinado texto da obra. É a minha homenagem ao cubano nesta hora difícil.
Embora o texto seja de fino recorte literário, cogitei longamente acerca da pertinência de o trazer a lume. Encorajado por algumas coisas que vou lendo na blogosfera, e mesmo correndo o risco de estarrecer algumas mentes mais sensíveis, decidi trazê-lo.



Vou uma vez por ano a Cuba, para fumar com Fidel Castro uns bons charutos e lhe contar uma ou outra anedota picante. Fidel é um bocado manhoso, um pouco paquidérmico e barbudo demais. No fim da visita, dá-me umas palmadas nas costas com aquelas suas mãos de velho sapo, e leva-me para uma saleta decorada com pouco gosto, com pretensões a lupanar das Caraíbas, onde me esperam meia dúzia de pequenas cubanas, risonhas e partidárias do regime castrista. Fidel diz-me que escolha uma e eu decido-me, para o não o deixar mal visto, pela mais rechonchuda. Fidel faz estalar os dedos, ordenando às outras que se retirem; ele faz o mesmo, após cofiar as barbas de patriarca outonal. E eu, ficando ali a sós com a cubanita, pergunto-lhe:
- Como te chamas?
- Gertrudes.
As cubanas são mulheres com uma certa vocação para as curvas, de uma carnalidade que contrasta com os seus nomes, muito ásperos para o gosto ocidental. Na Gertrudes, concretamente, sublinharei o seu riso mulato, os seus braços sedentários e a sua estatura de menina que não cresceu. Vamos à praia (Fidel tem residência de Verão à beira-mar, para espiar com a luneta os viajantes das jangadas que naufragam antes de acostar à Florida) e eu pego-lhe na mão , sentindo entre os meus dedos o calor afável e hospitaleiro das raças mestiças. Fodemos em silêncio, em cima da areia (talvez a luneta de Fidel nos esteja a examinar), com a noite toda a derramar-se sobre nós. Gertrudes tem uma cona avantajada, crioula, e sobre ela gravita o resto do seu corpo, uma cona que, tal como a manigua(1), pode enredar com as suas plantas o viajante descuidado. Vou desbravando o caminho que me há-de levar até ao fundo de Gertrudes, enquanto ela me dá instruções num espanhol rudimentar, fulgurante de americanismos, que me transmite ainda maior tesão. A cona de Gertrudes, liberta por fim de moitas pesarosas sabe-me a ananás e a licores tropicais. Contemplo a cona de Gertrudes recitando-lhe fragmentos de Paradiso, o romance de Lezama Lima que na adolescência me deslumbrou pelas suas conexões insólitas, embora nunca conseguisse entendê-lo completamente (mas a literatura não é para entender, basta que acaricie o ouvido, a alma ou os colhões). Gertrudes confessa-me a meio do coito que Paradiso é a sua obra preferida, e demonstra-mo citando passagens pertinentes. Fidel, homem de pouca leitura, deve estar a alucinar a cores, perante tamanho alarde de erudição literária, caso se não tenha cansado de nos espiar com a luneta. Os meus gostos, em geral, coincidem com os de Gertrudes, e este consenso facilita um orgasmo uníssono, cubano, quase telúrico. Gertrudes, que é um pouco desabrida, vem-se, maldizendo Guillermo Cabrera Infante(2), que considera um James Joyce para mulatos com úlcera gástrica. Acho que é um exagero.

Conos, Juan Manuel de Prada



(1) Expressão da língua nativa taina; bosque tropical pantanoso e impenetrável. (N.E.)
(2) Cabrera Infante, n. em 1929, é sobretudo conhecido pelo seu feérico romance Três Tristes Tigres, aventura da linguagem cubana em que o humor desempenha importante papel. A alusão deve-se aqui ao facto de o escritor se ter exilado de Cuba em 1965. (N.E.)

02 dezembro 2006

UMA FATIA PARA ESQUECER

A rapaziada Andina continua a surpreender-nos: Evo Morales, chegou há dois dias a Cuba para assistir ao dia das forças armadas cubanas e comemorar o aniversário do comandante – na realidade fez anos a 13 de Agosto mas um arreliador desarranjo intestinal não aconselhou festejos – e, a uma pergunta de um jornalista sobre a prenda para o enfermo, respondeu: “como prometi, eis o bolo de cocaína!
Estou em crer que o dito bolo fará habitualmente parte da dieta alimentar de Morales. Assim se compreende como não liga patavina aos protestos que vão tomando conta das ruas do seu país: depois da sobremesa toma os protestos por aplausos.

30 novembro 2006

O DESCOBRIDOR







Pelos vistos desde pequeno que tem uma fixação:
lançar-se à descoberta.
Só nos resta desejar que os ventos estejam de feição.



Descobridor

Um pai gosta de se rever no filho,
não nos defeitos, mas naquilo que,
dentro de uma óptica de adulto, é
considerado qualidade ou virtude. É verdade
que os defeitos, quando em miniaturas,
podem ter graça. O mau génio
dum rapazito “promete”, não
raro, um forte carácter
macho para quando ele for um
homem, e isso tranquiliza
e tem graça. Mas é inegável
que as virtudes brilham e
lisonjeiam mais.


Quando o meu querido
fedelho me anunciou,
arvorando como podia a
solenidade de que os seus
dez anos eram capazes, que
queria ir para descobridor,
eu senti-me surpreso
e, logo, vaidoso. Até que enfim
que aparecia alguém, nas quatro
últimas gerações da família
Soares Picoto, que se propunha
descobrir, que forcejava
por se dedicar à descoberta de
algo
.
– Mas descobrir o quê?
perguntei ao Alvarito.
– Novas terras!, disse o pequeno.


Expliquei-lhe que a grandeza
dos portugueses como
navegadores e descobridores
era um facto incontroverso, mas que
hoje estava tudo descoberto.
O Alvarito ficou pensativo,
Depois, olhou para mim
e disse, meio desencantado:
- Então posso ser engenheiro…

Alexandre O’Neill

21 novembro 2006

A 10 DIAS DO 1.º DE DEZEMBRO

Há uma dúzia de anos a Assembleia-geral da ONU instituiu o dia 21 de Novembro como Dia Mundial da Televisão. Os estados membros foram convidados a comemorar o dia e instados a promoverem, a nível mundial, a troca de programas sobre temas como a paz, a segurança e o desenvolvimento económico e social, reforçando, deste modo, o intercâmbio cultural.
Doze anos volvidos e podemos “contemplar” em toda a sua extensão o fiasco das intenções da ONU.
Hoje, 21 de Novembro, comemora-se o dia Mundial da Televisão. Se a ONU tivesse adiado a comemoração por mais dez dias, tomaria um aparelho, subiria ao 1.º andar e jogá-lo-ia pela janela. Comemoraria, desse modo, a Restauração da Independência.
Como assim não é o meu protesto vai deixar a televisão muda durante todo este dia!

19 novembro 2006

HUMOR NEGRO

Há dois dias a imprensa noticiou as conclusões de um estudo conduzido por investigadores americanos que conseguiram provar – vá lá saber-se como – que participar regularmente na missa aumenta a longevidade.
O estudo foi desenvolvido à roda das fartas mesas de Pitsburg, o que, em termos científicos, é pobre e pode até considerar-se, em certos casos, contraproducente: fosse feito no Lesoto, no Botswana ou na Suazilândia e concluiriam que para alguns nem a missa lhes vale.

PS: esperança de vida, dados de 2005: LESOTO, 34,47 anos; BOTSWANA, 33,87 anos; SUAZILÂNDIA, 33,22 anos...

17 novembro 2006

"EFEITO ATATURK" EM CAMPO MAIOR

O amigo João Moutinho perguntava-me, com alguma ironia, diga-se: Então não há mais Ataturk’s. Dei-lhe uma resposta de acordo com a pergunta mas, pensando melhor, talvez possa dizer-se mais alguma coisa sobre o assunto. Não propriamente sobre o jovem turco, mas sobre uma outra ridicularia, essa bem mais próxima de nós: os grandes portugueses.
A RTP está neste momento a cumprir a “nobre” tarefa de seleccionar os 10 mais famosos portugueses de onde sairá o maior cá do burgo. Confesso que não assisti a nenhum dos programas – penso que teria sido mais do que um – onde se tratou desse tema mas imagino também que não terei perdido grande coisa. O formato não é novo, nem é nosso, foi importado. Noutros países, também aqui mais “adiantados” que nós, já apuraram os dez mais, estando por isso em condições de, a qualquer momento, fazerem soar as trombetas. Por cá dizem-me que para Janeiro – de 5007, espero. Dei uma olhadela à página do programa e verifiquei que os organizadores não terão levado em linha de conta o efeito Ataturk. Se o tivessem feito estaria entre o Manoel de Oliveira, cineasta e o Manuel dos Santos, toureiro, o empresário – ou direi antes o filantropo – Manuel Rui Azinhais Nabeiro. Se os empregados, os amigos da pesca, os afilhados, os amigos da caça, os compadres, os amigos da sueca e pelo menos sete oitavos de Campo Maior se dispuseram a telefonar para votar no benfeitor, o Manuel Rui será eleito ao arrepio de todas as perscrutações, tão só porque a RTP, na sua soberba, não se dignou beber dos ensinamentos deste blog, desconhecendo, por isso, o que, em situações como esta, o efeito Ataturk pode fazer.

Bom, acontecerá o mesmo que noutros países, por exemplo nos Estados Unidos da América. Sabem por acaso quem é a 6.ª personalidade mais importante da história desse grande país? Nem mais: George W. Bush.

13 novembro 2006

DESAFIO DAS MANIAS

Fui arrebanhado para participar neste desafio e não tive qualquer possibilidade de fuga.
O desafio consta do seguinte:
Cada bloguista participante tem de enunciar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais. E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogs aviso do "recrutamento". Ademais, cada participante deve reproduzir este "regulamento" no seu blog.

As minhas manias:
1- Mania de ser optimista;
2- Mania de chegar a horas;
3- Mania de cultivar a "má-língua";
4- Mania que tenho poucas manias;
5- Mania que tenho sempre razão.

Os meus convidados:
- Blog da Mikas
- Fantasias
- Escola Revisitada
- Histórias e Sabores
- Lusíadas

PS: confesso que tenho bastantes dúvidas acerca daquela última mania mas fui coagido a escrevê-la.

INÉS ALLENDE

Para trás ficou Cuzco, coroada pela fortaleza sagrada […], sob um céu azul. Ao sair da cidade, mesmo debaixo dos olhos do governador, do seu séquito, do bispo e da […] cidade que se despedia de nós, Pedro chamou-me para o seu lado com uma voz clara e destemida.
- Junte-se a mim doña Inês Suárez! – exclamou, e quando passei à frente dos seus soldados e oficiais, colocando o meu cavalo ao lado do seu, acrescentou em voz baixa: - Vamos para o Chile, Inês da minha alma…

Isabel Allende, Inês da Minha Alma


O mais recente livro de Isabel Allende, Inês da minha alma, relata a prodigiosa aventura da conquista do Chile.
Naqueles tempos, já não havia lugar para as mais nobres façanhas naquela Europa, corrupta, envelhecida, dilacerada por conspirações políticas […]. O futuro estava do outro lado do Atlântico.
É neste mundo novo que Pedro de Valdivia, contra tudo o que seria de esperar, se lança à conquista do Chile, mesmo sabendo que se conseguisse sobreviver ao deserto do Atacama, o lugar mais inóspito da Terra, dificilmente escaparia aos aguerridos índios Mapuche. Mas Pedro estava convencido que o Chile era o local ideal, bem longe dos cortesãos da Ciudad de los Reyes, para fundar uma sociedade justa baseada no trabalho árduo e na lavoura da terra, sem a riqueza fácil das minas e o recurso à escravatura. De modo que se lança à aventura.
A História nunca foi pródiga no tratamento dado às mulheres e, no séc. XVI, isso era ainda mais evidente, de modo Pedro de Valdivia “arcaria” com todos os louros de tal façanha.
Isabel Allende descobriu que uma mulher, Inês Suárez, nascida numa obscura localidade Andaluza teria tido um papel importantíssimo nessa epopeia. Investigou em todos os locais possíveis e legou-nos a extraordinária história dessa mulher.
Conhecendo a obra da autora, e em especial Paula, não podemos deixar de reparar nas imensas afinidades existentes entre as duas mulheres de modo que por vezes somos levados a pensar que a narradora é, afinal, Inês Allende ou, eventualmente, Isabel Suárez.

12 novembro 2006

VLADIMIR PALAHNUIK, 1919, JACK PALANCE, 2006

Jack Palance, nascido a 18 de Fevereiro de 1919 em Lattimer, no estado da Pensilvânia, no seio de uma modesta família de emigrantes ucranianos, morreu na sexta-feira aos 87 anos de idade, na sua casa de Montecito, na Califórnia, ao que dizem, de causas naturais.
Jack Palance, nascido Vladimir Palahnuik, antes de iniciar a carreira de actor, foi pugilista – Jack Brazzo – e militar.
Os duros vão desaparecendo. Hollywood começa a ser tomada por frouxos.

09 novembro 2006

UM PAI NATAL PARA DON HUGUITO

Hugo Chavez só ouviu falar de Portugal porque em tempos alguém lhe sugeriu que uma fotografia que o mostrava a conversar com um sujeito bem parecido numa qualquer sala de espera de um aeroporto, poderia, eventualmente, servir para mostrar ao mundo que era um líder que se dava com gente de bem. Mas este arremedo de estadista não sabe o que se passa por cá, caso contrário saberia que, tal como não se pode decretar o fim de uma crise, também não se pode proibir por decreto a visita do Pai Natal. E foi isto, pasme-se, o que ele fez: mandou publicar um decreto que proíbe o uso de imagens ou bonecos do Pai Natal, pinheiros enfeitados e, até, botas e meias vermelhas, em todos os edifícios públicos venezuelanos.
E eu a pensar que já nada mais me surpreenderia…

Socorro-me do trabalho poético de um seu colega dos antípodas para dedicar um bom Natal a Don Huguito, com o desejo que o Pai Natal lhe traga um IPod para ouvir os discursos do ianque e o Trópico de Câncer do Henry Miller para aplacar a ira sempre que esta se manifeste. Só peço ao Pai Natal que não lhe traga nada daquilo que ele lhe pediu.

PAI NATAL

Pai Natal, vem, por favor!
Traz zincos prás escolas,
Traz giz, traz quadros,
Cadernos, lápis e livros!
Traz carteiras e armários,
E professores e alegria!

Pai Natal, vem, por favor!
Traz a chuva e verdura,
E frutas, milho e arroz
Nos campos dos nossos pais!
Harmonia entre adultos,
P’ra nós a certeza da paz.

Xanana Gusmão

07 novembro 2006

O EFEITO ATATÜRK

Dealbar de novo milénio.
Numa altura de temor e pânico, exacerbado não sei por quem e consubstanciado no Bug do ano 2000, uma revista estrangeira, da qual não me ocorre o nome, mas com posição na praça e difusão mundial, lembrou-se, no encerramento de um milénio, eleger a personalidade que nos últimos mil anos mais se tenha destacado: “O Homem do Milénio”.
Na era da aldeia global – o Bug foi, afinal, um fiasco – o modo de votação não poderia ser outro: pela Internet.
A votação lá começou e, uns tempos depois, quando a organização se apercebeu da personalidade que iria sair vencedora tratou de, sub-repticiamente, anular a eleição: Atatürk, literalmente, o pai dos Turcos, estava prestes a tornar-se o homem do milénio.
Ninguém duvida da importância que Mustafa Kemal (1881-1938) o Atatürk, tem para a moderna Turquia da qual foi o grande impulsionador mas, daí até ser a personalidade mundial mais importante dos últimos mil anos, digamos que seria necessária muita força de vontade para se aceitar.
Mas então como é que tudo aconteceu? Muito fácil. A revista, que, como já se disse, tinha – e tem, penso – difusão mundial, também chega à Turquia. Ora, algum Otomano se lembrou de encorajar os seus concidadãos a votarem no “Pai” e eles não se fizeram rogados. E, assim, uma iniciativa que no resto do mundo tinha despertado pouco interesse tornou-se, na Turquia, quase numa questão de honra nacional. Setenta milhões de Turcos correram, então, para o computador. O final da história adivinha-se.
Tudo isto, a propósito da ridícula ideia de escolher as Novas Sete Maravilhas do Mundo.
No dia sete de Julho do ano que vem – ainda pensei que o sete era o do George Best, mas afinal não – o mundo ficará a conhecer as novas maravilhas num espectáculo que será transmitido pela televisão para todo o mundo a partir do Estádio da Luz em Lisboa. E pronto, a partir desse dia o romantismo aliado às sete maravilhas desaparecerá. Mas, escolham o que escolherem, nunca conseguirão destronar o Colosso de Rodes, nem os Jardins Suspensos da Babilónia, nem o Farol de Alexandria, nem a Estátua de Zeus, nem o Templo Ártemis, nem o Mausoléu de Halicarnasso. Muito menos as Pirâmides de Gisé.
Os promotores desta ridicularia, liderados pelo suiço Bernard Weber, à qual um antigo director geral da UNESCO emprestou o nome, estão a cair no mesmo erro que há seis anos destruiu a luminosa ideia da revista americana. Ao não terem em conta o “efeito Atatürk” as novas Sete Maravilhas do Mundo serão tudo menos maravilhas ou, sendo-o, não serão, com toda a certeza, do mundo.
A votação já começou e, soube um dia destes, que já começaram também as “jogadas de bastidores”. Os Indianos, alarmados pelo fraco lugar ocupado pelo Taj Mahal, começaram a acorrer em força à votação e já o posicionaram num lugar elegível. Espera-se a resposta dos chineses.
S. Marino, Lichtenstein, Andorra e Belize não têm qualquer hipótese.

24 outubro 2006

ENQUANTO SALAZAR DORMIA...

Mary deu uma gargalhada e Rita desconcentrou-se, rindo. Tirei a venda dos olhos e vi-as, as duas seminuas à minha frente. […] Abracei-as e trocámos beijos os três. Depois caímos sobre a cama, enroscados uns nos outros e amámo-nos a três em desvario. Como se um tremendo cataclismo aí viesse e só nos restassem poucas horas sobre a Terra.



No início dos anos 40 do século passado o mundo era fustigado por uma guerra como a humanidade jamais tinha visto. Com a vizinha Espanha devastada por 3 anos de uma feroz guerra fratricida e o resto da Europa a ferro e fogo, restava Portugal, um oásis de paz e tranquilidade, para onde fugia a Europa que tinha pernas para o fazer. A pastelaria [Suiça], onde a afluência de refugiados obrigara a abrir uma esplanada para a rua, fora baptizada pelos portugueses de «Bompernasse», pois podiam observar-se por lá muitas e belas pernas de mulheres estrangeiras. Francesas, belgas, holandesas, judias da Alemanha ou da Polónia calçavam soquettes, saíam à rua sem meias, luvas ou chapéus, e penteavam o cabelo curto «à refugiada». Aliviadas por terem escapado à guerra, aos black outs, às bombas ou às perseguições da Gestapo, viviam Lisboa como um oásis, um nirvana de paz e felicidade, e mostravam as pernas ao sol, lendo revistas e fumando cigarros, numa animação estranha aos costumes lusitanos.
É nesta Lisboa cosmopolita que se cruzam reis, príncipes, banqueiros, capitalistas, judeus e, enquanto Salazar dorme, guerreiam-se os serviços de inteligências de ambas as facções beligerantes. Se há coisa que não falta no meu hotel é gente famosa. Na semana passada, além dos Gulbenkian, na segunda jantou lá o rei Carol da Roménia, com a sua bailarina Lopescu! Na terça almoçou o Guggenheim! Na quarta, apareceu para jantar a baronesa Rotschild, com o Ricardo Espírito Santo e, na sexta, a grã-duquesa Carlota do Luxemburgo.
O narrador, um luso britânico, filho de pai Inglês e mãe Portuguesa, é um antigo agente dos serviços secretos britânicos que, passados 50 anos, regressa a Lisboa e peregrina pelos locais que guarda na memória, recordando todas as peripécias vividas na altura.
O livro, de Domingos Amaral, é de uma leitura agradável. Recria o ambiente do Portugal dos anos 40, o glamour dos hotéis de luxo de Lisboa e do Estoril e revela algumas situações pitorescas como a da família Gulbenkian: É uma família curiosa.Ele instala-se no Aviz, a mulher no Palácio do Estoril. Depois, almoçam juntos no […] hotel, mas fazem-no em mesas separadas, cada um com os seus convidados.



PS: Quando, pelo menos alguns de nós, chegarmos aos 80 anos, seremos, talvez, como os pescadores quando desatam a contar histórias de pescarias: aumentam sempre três palmos ao peixe. O agente Jack Gil Mascarenhas Deane tinha chegado já aos 80 quando nos relatou a história por si vivida, 50 anos antes. Mesmo que por vezes se tenha entusiasmado a descrever aqueles pormenores mais íntimos e tenha feito como os pescadores, esta é, com efeito, uma bela história.
Enquanto lia as aventuras do agente Jack Gil lembrei-me de outro herói luso britânico: o piloto da RAF Jaime Eduardo de Cook e Alvega. O livro não o revela mas será que os dois não se terão cruzado na Lisboa de 40?

18 outubro 2006

PEDRO CAMACHO

No seu último monólogo da hora de jantar – sua homilia dominical, como já alguém se lhe referiu –, Marcelo Rebelo de Sousa, reportando-se ao último tiro no pé dado pelo tontinho do ministro da Economia, disse que não foi por mal que o governante assim falou e que, de qualquer modo, nem era bem isso que ele queria dizer. Só soou assim porque o ministro em questão possui um vocabulário pobrezinho, fruto das suas parcas leituras quando era pequeno. O professor lá saberá do que fala.
Desconheço a maior ou menor frugalidade das suas primeiras leituras, de qualquer modo, atrever-me-ia a recomendar ao senhor ministro uma deliciosa leitura: nem mais nem menos do que “A Tia Júlia e o Escrevedor” de Mário Vargas Llosa. A obra, ao que me constou, tem muito de autobiográfico, mas o que gostava de chamar a atenção era para uma extraordinária personagem que dá pelo nome de Pedro Camacho. A acção desenrola-se nos anos 50, na época dourada da rádio e das radionovelas. Uma emissora de Lima, para a qual o Varguitas preparava os noticiários nos intervalos dos seus afazeres académicos de aluno na faculdade de Direito da Universidade de Lima, tentando combater a audiência de uma emissora concorrente, contratou a certa altura o novelista Boliviano Pedro Camacho. Este viria a revelar-se de uma extraordinária fecundidade, conseguindo escrever três ou quatro histórias em simultâneo, fazendo-o, praticamente, na hora em que iriam ser transmitidas. O êxito das radionovelas deste homem foi estrondoso. A certo ponto, porém, os ouvintes começaram a notar que as personagens de uma história começavam a aparecer noutra e algumas personagens eram cópias fiéis de pessoas reais.
Não desvendarei mais nada da história. Um eventual leitor poderia perder o interesse pela leitura integral da obra. Direi apenas ao nosso ministro da Economia que, em vez de confundir a realidade com a ficção, melhor fora que, qual Pedro Camacho, confundisse a ficção com a realidade.

14 outubro 2006

A CRISE ACABOU!

Ontem, ao ouvir o ministro Manuel Pinho anunciar uma refinaria do Monteiro de Barros, ainda maior do que a primeira, lembrei-me, não sei porquê, do gato da Whiskas. Num anúncio, que por estes dias vai passando nas televisões, a dona chega das compras e, mal entra em casa, começa a bombardear o sansão – acho que não é bem este o nome do animal, mas, pelo menos por hoje, passará a sê-lo – de verborreia. O bicho, não sei se por fome se por cansaço, interpreta do palavreado da patroa: blá, blá, blá,… whiskas,… blá, blá, blá,… whiskas,… blá, blá, blá…
Nos últimos dias tem sido grande a azáfama que reina nas reuniões do governo. Os últimos protestos de rua parece que foram em grande. Alguns jornais disseram-no com todas as letras: manifestações como Lisboa já não via desde a revolução! – vamos lá a metê-los na ordem! De modo que toca a puxar pelos miolos – temos que anestesiar a populaça!
Já sei! – exclamou o chefe. E todo o grupo, mais embevecido ainda, espera avidamente a ideia iluminada do grande líder -, vamos anunciar uma grande refinaria!
Alguém, timidamente, lembrou que essa tinha sido já anunciada. Então anuncia-se outra muito maior que a primeira! Todos deram vivas e agradeceram a Deus – cada um ao seu, claro! – tê-los presenteado com aquele grande timoneiro. Só mais uma coisa – disse –, como se trata de uma refinaria é o Manel Pinho que o vai anunciar à Nação.


Post Scriptum: tenha ou não acabado a crise – embora, por vezes, possam ajudar, o povo não se alimenta de palavras, alimenta-se com o dinheiro que tem no bolso – este governo continua a ser bafejado pela sorte. Então não é que continua a haver jackpot no euro milhões. Com o pensamento em cem milhões quem é que vai ligar a greves ou manifestações? Até sexta à noite o governo está à vontade para continuar com as suas maquinações.

02 outubro 2006

OS ÁRBITROS E O REI HIERON DE SIRACUSA

Ontem, ao ler a notícia dos presentes, em ouro falsificado, oferecidos aos árbitros, lembrei-me do Rei Hieron de Siracusa.
Conta-se – conta-nos Vitrúvio, arquitecto Romano do séc. I a.C. – que o Rei Hieron II, desejando obsequiar as divindades com um presente à altura da sua real dignidade, decidiu oferecer-lhes uma coroa em ouro maciço. Mandou procurar o melhor ourives do reino e entregou-lhe uma generosa quantidade desse metal.
No dia aprazado o ourives entregou ao soberano uma coroa ricamente cinzelada. Vá lá saber-se porquê, ao espírito do monarca começam a assomar algumas dúvidas acerca da fidelidade do trabalho do artista. A coroa tinha exactamente o peso do ouro que o rei lhe tinha entregue, mas quem lhe garantia que uma parte não foi substituída por outro metal? Por prata, por exemplo. Querendo uma resposta para a dúvida que o atormentava, Hieron confiou a Arquimedes a tarefa de resolver o enigma.
Vitrúvio, que nos conta a história, viveu dois séculos depois de Arquimedes. Talvez que durante todo esse tempo a história tivesse sido, digamos, boleada. Mas é uma bela história.
Estando no balneário público, enquanto ia imergindo no tanque, Arquimedes reparava que a água ia subindo. Na sua mente apareceu, então, a solução do problema do Rei Hieron: “Todo corpo mergulhado total ou parcialmente num líquido sofre um impulso vertical, de baixo para cima, igual ao peso do volume do líquido deslocado."
A sua alegria foi tal que, sem reparar sequer que estava completamente nu, saiu das termas e precipitou-se pelas ruas de Siracusa, exclamando: “- Eureka! Eureka!”.
A história diz-nos que Arquimedes descobriu que o ourives tinha substituído uma parte do ouro pelo mesmo peso em prata e, diz-se, por sua intercessão, o monarca não terá punido o trafulha. Ao fim e ao cabo, não fora ele e essa importante descoberta teria de esperar.
Os nossos corruptos árbitros nunca duvidaram da autenticidade das prendas que lhes ofereciam, e, mesmo que duvidassem, nem conheciam o Arquimedes nem a história do Rei Hieron, por isso é que, sabe-se agora, foram presenteados com prendas de ouro falsificado para comprar os seus favores.
Os nossos corruptos árbitros. Corruptos a simplórios.

26 setembro 2006

BROCANDO O NOSSO CÉREBRO

Há alguns anos, um solidário bebedor, Inglês ou Irlandês, já me não recordo, fez os seus amigos prometerem-lhe que, uma vez morto e incinerado, o punhado de cinzas que restassem iriam para uma pequena ânfora que seria colocada em local de destaque no seu pub de eleição. Ali, à vista dos amigos, ser-lhe-ia menos penosa a jornada para a eternidade. Embora não tenha vertido uma lágrima como o outro quando viu os tanques irromper por Bagdad, confesso que esta notícia me sensibilizou. Todos ganhariam com isso: o morto tinha companhia e os vivos podiam mandar vir outra rodada – erguiam o copo, viravam-se para a urna e exclamavam: - À nossa!
Desconheço se algum dos amigos ainda vive mas, ainda hoje, o morto lá continuará a contemplar os bebedores do alto do escaparate. Por vezes, um ou outro, lá lhe dirigirá a palavra. Serão, fatalmente, frases sem nexo mas que ajudam a passar o tempo.
Tudo isto vem a propósito de uma nova moda que acaba de chegar a Portugal. Alguém teve a ridícula ideia de, por meio de brutais aumentos de pressão e temperatura, num processo em tudo idêntico ao que se utiliza na natureza, transformar em diamante o carbono contido numa madeixa de cabelo de um finado. Deste modo, os entes queridos que cá ficassem, lembrar-se-iam dele. Se não de memória pelo menos pelo tacto.
O diamante, ao que me dizem com certificado e tudo, é idêntico àquele que protege a ponta de qualquer broca para furar pedra. Um material pouco consentâneo com a memória que se quer preservar, mas enfim… é a desmedida criatividade dos homens.

22 setembro 2006

ESTADO DA NAÇÃO: RECOMENDA-SE!

Às segundas-feiras, o principal canal da televisão pública brinda os telespectadores com o Prós e Contras. A dinâmica do programa vive muito à custa da selecção do painel. Por vezes, essa escolha é tudo menos criteriosa e o programa é um longo bocejo, outras vezes, apesar de um painel redondo, propício a duas horas de enfado, o programa prende a atenção do espectador. São insondáveis os caminhos do Senhor.
Na última segunda feira o tema girava à volta de Educação. O assunto era já gasto pelo que se esperaria um miserável share para o canal 1. Tal parece não ter acontecido.
Na mesa da situação, digamos assim, sentava-se a ministra – à Pai Natal, como diria numa das suas habituais tontarias, a condutora do programa. Sobre a senhora ministra, podemos não lhe conhecer as ideias mas conhecemos-lhe o discurso. Até aqui nada de novo.
Ao seu lado direito uma personagem de carinha miúda e corte à Charlie Brown. Apresentar-se-ia como Presidente do Conselho Executivo de uma escola dos arredores de Guimarães. O primeiro mal escolhido. Limitou-se, qual sabujo, a concordar inteiramente com todas as medidas propostas pela equipa da educação. Na sua escola reinava a harmonia. Os professores estavam felizes e contentes e os alunos aprendiam melhor. Lá, no Eldorado, está quase a atingir-se a perfeição. Estaria a pensar num futuro lugar de Director-Geral para cima. Depois daquela prestação o seu sonho terá caído por terra. Ninguém quer tamanho bajulador a trabalhar consigo.
Na mesa da oposição tínhamos um professor universitário ex-governante da área. Punha aquela expressão grave tão natural naqueles que conhecem os meandros do labirinto. Numa introspecção rápida terá avaliado a situação do seu telhado e, na sua linguagem polida, passou o serão a concordar com as medidas da ministra. Havia uma ou outra com que não estava, totalmente, de acordo mas, cortesmente, evitou revelá-las. A linguagem monocórdica com que dizia as coisas também não ajudou. Enfim a segunda má escolha. No final do programa, em parte, redimir-se-ia.
A seu lado outra professora presidente. Agora da escola de uma terra com uma fábrica de cerveja de que não consigo lembrar-me o nome. Nem da terra nem da cerveja. Não trouxe muito para o debate. Na sua zona haverá interesses alheios à escola que chamem os alunos porque, pelos vistos, o abandono escolar não é despiciendo. Abusou dos Cursos de Educação e Formação que o comum dos mortais não sabe bem de que se trata. Outra escolha desacertada, portanto.
Na primeira fila do anfiteatro, a apresentadora costuma sentar alguns convidados cuja função é dinamizar o debate e abanar as consciências. Pensava eu. Vejamos:
Outro dirigente de uma escola, agora do Algarve. No seu estilo de presidente de Associação de Moradores, que sim, que agora é que isto vai p’rá frente, que na sua escola era como no Eldorado, estava tudo bem e havia harmonia.
Ao lado um velhinho. Embora já retirado, continua a encontra-se com colegas ainda no activo. Não vá a senhora ministra lembrar-se de lhe baixar a reforma – ficaram um poucochinho desagradados com todas estas mudanças mas, como é para melhorar, estão a encarar o sacrifício como necessário – limitou-se a aplicar a última pedagogia que conheceu: «Aninhas, quantos são quatro mais oito?». «São dez senhora professora!». «Está certo, mas…». Podiam ter evitado a deslocação do velhinho à capital.
Ao centro dois jovens do décimo segundo ano. Um deles, com o calor e o nervoso, não conseguiu alinhavar uma frase que fosse. Foi-lhe prometido que falaria quando estivesse mais calmo mas, como continuasse a gastar lenços de papel para enxugar a cara, foi mantido calado até ao fim. O outro, que sim senhora, que gostou de todos os professores, que todos o ajudaram a chegar até onde se encontrava, blá, blá, blá. Todos os professores?! Como se todos nós não tivéssemos andado na escola. Enfim, podiam ter poupado este sacrifício aos imberbes. Deitar-se-iam mais cedo e ficariam mais frescos para aturar os queridos professores na manhã seguinte.
Junto deles uma senhora com a pintura esborratada. O adiantado da hora não se compadece com estas coisas e a caracterização também não ajudou. Era uma professora que também era mãe, ou uma mãe que também era professora, bom, já não me recordo muito bem. Praguejou contra a direcção do colégio do filho mais novo que não a deixou, ou deixou relutantemente, visitar as instalações. Não sei se disse mais qualquer coisa mas a dizer teriam sido destas banalidades. Podia ter ficado a contar uma história ao seu filhinho mais novo. A criancinha teria adormecido em paz e o país não teria perdido grande coisa.
Finalmente, um sindicalista. Embora o seu estilo Adriano Correia de Oliveira não o tenha ajudado e estivesse constantemente a responder à antepenúltima pergunta da apresentadora, não ouvindo sequer as duas últimas, foi o único que tentou remar contra a maré. Não é bonita aquela peculiar mania dos agitadores de responderem sem que lhes tenham perguntado, atropelando os outros, mas esteve quase a levar a ministra a utilizar a sua frase mais querida: - Não me deixam falar.
E eis que é chamado um último participante. É um professor da Serra da Estrela que, nas palavras da apresentadora, pediu, insistentemente, para ser convidado. De uma das últimas filas, levanta-se, então, a personagem mais burlesca de todo o programa. Trota pelo anfiteatro abaixo e chega afogueado junto do palco. Parece que tinha vindo de Manteigas a pé. Numa linguagem de vendedor de banha de cobra começa por dizer que tem uma série de perguntas para fazer à ministra. Alarmada, a apresentadora lembra-o do combinado: - Apenas uma pergunta! O troglodita que tinha o discurso preparado para uma dúzia de perguntas não conseguiu resumir tudo numa só e o que disse soou ininteligível. A sua viagem desde a Serra foi em vão.
De vez em quando, em aparições hitchcockianas, viam-se dois marretas sentados no extremo direito da primeira fila. Ora meneavam a cabeça, ora mostravam enfado. Estou ainda por saber quem eram e o que ali faziam.
A montanha teria parido um rato, não fora uma curta afirmação final. O senhor das falinhas mansas que já tinha sido secretário de estado, apelando à sua capacidade de síntese, conseguiu, ainda que, penso eu, não intencionalmente, resumir tudo o que ali se tinha passado. Olhando para o Charlie Brown que tinha sentado à sua frente disse-lhe: - Tenho-o ouvido atentamente desde o início do programa e de tudo o que disse só consigo estar de acordo consigo numa coisa: ambos somos benfiquistas.
Perdemos, pelo menos, duas horas de descanso mas fomos para a cama mais felizes: o país vai bem!

19 setembro 2006

PASSADO À MEDIDA DO PRESENTE

Félix Ventura vive na baixa de Luanda num velho casarão colonial rodeado de retratos circunspectos e estantes a abarrotar de livros. Quando bebé foi deixado numa caixa de cartão, acondicionado entre vários exemplares d’A Relíquia – Eça foi o meu primeiro berço, costumava, orgulhosamente, dizer – junto da porta de um alfarrabista que, após a revolução, deixaria casa e livros ao filho adoptivo e trocaria a instabilidade de Luanda pela calma de Lisboa.
Diariamente o albino Félix Ventura – Branco, eu?! Não, não! Sou negro. Sou negro puro. Sou um autóctone. Não está a ver que sou negro?... – espiolhava o jornal. Quando encontrava alguma notícia que lhe interessava, recortava-a e arquivava-a. Guardava, religiosamente, centenas de pastas com recortes e centenas de filmes.
Em Angola emerge, por estes tempos, uma conjunto de pessoas cujo venturoso presente não está em consonância com o inconfessável passado.
O albino era uma pessoa atenta aos novos tempos e viu nesta discrepância uma oportunidade de negócio - Dê aos seus filhos um passado melhor. O material que laboriosamente guardava, ajudá-lo-á a construir passados para todos aqueles que reclamarem os seus serviços. Há os que necessitam de sangue nobre na sua árvore genealógica, há os que querem limpar o sangue das mãos e há até aqueles que querem trocar o seu passado porque, simplesmente, é inacreditável – quero trocar esta história inverosímil, a história da minha vida, por outra simples e sólida. A história de um homem comum. Eu dou-lhe uma verdade impossível, você dá-me uma mentira vulgar e convincente, aceita? E fá-lo-á com tal verosimilhança que os próprios se convencerão do seu passado glorioso e sem mácula.
Tudo isto é-nos dado a conhecer por intermédio de uma osga – uma osga, sim, mas de uma espécie muito rara. Está a ver estas listras? Trata-se de uma osga-tigre ou osga-tigrada, um animal tímido, ainda pouco estudado. Os primeiros exemplares foram descobertos há meia dúzia de anos na Namíbia – que, desde sempre, viveu na casa de Félix Ventura. Tal como Félix, também a osga experimenta sérias dificuldades em presença da luz, daí, talvez, a afinidade que se vai criando entre ambos. Por vezes sonha com a sua vida anterior quando era um humano.
N’O Vendedor de Passados, numa linguagem escorreita, José Eduardo Agualusa palmilha os caminhos que o jovem país percorreu após a independência.
Um caminho enxameado de escolhos que tolhem a caminhada.

08 setembro 2006

... MAS SÓ QUANDO FOR VELHA!

A Dona Maria de Jesus faz, no próximo Domingo, 113 anos. É a pessoa mais velha da Europa e uma das mais velhas do Mundo.
Literalmente, atravessou 3 séculos.
Nasceu, corria o séc. XIX, reinava ainda D. Carlos. Assistiu ao regicídio, à implantação da República, às 2 Guerras Mundiais do séc. XX e aos dias de ódio do início do séc. XXI.
Um destes dias, falando sobre o seu futuro, a simpática anciã confidenciava: “Um dia irei para um lar, mas só quando for velha!”.
Gostava de chegar lá perto e ter presença de espírito para dizer tal coisa.
Parabéns, Dona Maria! Para o ano cá estarei, novamente, a desejar-lhe Feliz Aniversário.

03 setembro 2006

DOS 18 AOS 45, MAS...

Ainda este ano, os casais, que por problemas de infertilidade se viam na necessidade de recorrer a clínicas espanholas para tentar solucionar o seu problema, vão poder fazê-lo em Portugal.
O Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), da Universidade do Porto, está a criar o primeiro banco de esperma e óvulos do país. Falando sobre este assunto, Mário Sousa, investigador do ICBAS, realçou que “todos os dadores candidatos serão sujeitos a rigorosos exames de selecção, quer a nível da história clínica pessoal e familiar, quer de análises ao sangue, antes de serem seleccionados par a integrar o banco”. Já a partir de 15 de Setembro começarão as entrevistas a mulheres, potenciais dadoras de óvulos, sendo que as entrevistas aos homens, potenciais dadores de esperma, se iniciarão mais lá para o Outono.
O banco excluirá os voluntários com hábitos tabágicos, alcoólicos ou de toxicodependência ou que tenham contraído vírus como as hepatites B ou C ou o HIV. Os óvulos serão recolhidos em mulheres com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos.
Até aqui tudo bem! Temos que assegurar a qualidade do material genético. Nunca se sabe se o substituto do Engenheiro Sócrates não sairá dali.
O Inverno da notícia vem a seguir: os dadores deverão ter entre 18 e 45 anos! Quem, como eu, estava a pensar doar a sua semente para a posteridade, foi fulminado com esta frase, mesmo que respondendo a todos os outros predicados.
Apenas nos resta agarrarmo-nos a uma pequena nuance de linguagem: quando o Doutor Mário Sousa se referiu às margens de idades dos dadores disse, laconicamente, que estas eram apenas indicativas, não exclusivas, dependendo de cada caso analisado.

01 setembro 2006

SE O RIDÍCULO MATASSE…

De quando em vez, um qualquer manga-de-alpaca de uma qualquer instituição governamental, manda uma imbecilidade cá para fora para nos lembrar que o governo existe e está vigilante.
A imprensa noticia hoje que, no Programa Nacional de Alterações Climáticas (PNAC), está inscrita uma proposta que prevê que a velocidade máxima nas auto-estradas baixe de 120 para 118 km/h. Isso mesmo, leu bem, 118 km/h.
Será que o iluminado estaria a pensar noutras coisas? É que até 118 km/h é Tempestade Tropical mas a partir de 119 km/h é Furacão.

30 agosto 2006

PAU-BRASIL

...
O jovem riu-se e começou a desapertar o colar que usava ao pescoço. Desenfiou, então, uma das conchas, voltou a apertar o colar e lançou para a areia a conta retirada.
- Que estás a fazer? - perguntou Colombe.
- Hoje é dia de lua cheia - respondeu o jovem, com toda a naturalidade -, tenho de tirar uma conta do meu colar.
- Karaya é um prisioneiro - esclareceu um dos guerreiros, rindo-se. - Em cada lua, uma conta a menos; quando se acabarem as contas comemo-lo.
...
Pau-Brasil, Jean-Christophe Rufin


Em 1555, à frente de uma armada de 3 navios e 600 homens, entre soldados e colonos, Nicolas Durand de Villegaignon, Vice-almirante da Normandia, parte do Porto Francês de Le Havre rumo ao Brasil. Tem um sonho: fundar uma colónia na América do Sul – a França Antárctica.
Após uma difícil viagem, a armada penetrou na baía de Guanabara, aportou a uma das suas ilhas e aí construiu um forte: Forte Coligny em honra de Gaspar de Coligny, patrocinador da empresa.
Fruto das privações dos colonos, inflamadas pelo carácter rude e autoritário de Villegaignon, a colónia começa a passar por dificuldades. Dois anos depois da chegada um novo carregamento de colonos chega da Europa, essencialmente Calvinistas Suíços.
A colónia é agora uma babel de tendências religiosas: há católicos, luteranos, calvinistas, huguenotes e, até, anabaptistas. Cada grupo vigiava todos os outros que considerava hostis. Estas lutas internas iam desviando os residentes do essencial e a construção da colónia ia sendo negligenciada.
O sonho da França Antárctica não durou mais do que uma dúzia de anos. Em 1567, já Villegaignon tinha regressado a França, os Franceses são, definitivamente, expulsos por Mem de Sá, com a ajuda de seu sobrinho Estácio de Sá, fundador da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, que viria a perder a vida no assalto.
Baseado neste facto histórico pouco conhecido Jean-Christiphe Rufin escreveu Pau-Brasil.
Guiados por duas das crianças embarcadas na expedição para aprenderem a língua dos selvagens e, deste modo, servirem de intérpretes, entre os autóctones e os colonizadores, somos levados a viver uma aventura extraordinária por terras desconhecidas.
Just, o mais velho, chegará a braço direito de Villegagnon depois de iniciado por este na nobre arte da guerra. Colombe, a mais nova, que embarcará disfarçada de rapaz por ser absolutamente proibido o embarque de mulheres, tornar-se-á, por vontade própria, um elemento de uma tribo de canibais: “gostavam dos filhos, dos pais, da tribo, do sol e das árvores favoráveis, gostavam da água das cascatas e do vento tépido das praias, gostavam da terra que satisfaz as necessidades humanas, gostavam da noite e do dia, do fogo e do sal, da avestruz e do tapir. E, nesta trama apertada de amor e medo, não estava previsto que um só ser se apoderasse de tudo em seu benefício”.
Pelo meio assistimos à penosa travessia do Atlântico, à dolorosa construção do Forte Coligny, às intestinas lutas entre facções religiosas, às crueldades de Villegaignon para impor a lei e a ordem na colónia, ao penoso encontro de civilizações até ao desfecho, ainda que um tanto cinematográfico, em que os Portugueses, finalmente, expulsam os Franceses.
Jean-Christiphe Rufin escreveu um belo romance. Em 2001, Pau-Brasil, seria agraciado com o Prémio Goncourt.

29 agosto 2006

BASTA OLHAR O CÉU

A propósito de um post que aqui deixei, onde dava conta da desclassificação de Plutão, o amigo Chico Rocha, dizia que, embora não visse o que pudesse mudar na ciência com esta decisão, não tinha dúvidas que deste modo o Universo perderia um pouco de seu romantismo.
Amigo Xico, não desanime! Desclassifiquem o que quer que seja que a nós basta-nos deitar de barriga para o ar, olhar o céu e sonhar. E olhe que nisso somos bons!
A este propósito vou recordar-lhe um delicioso diálogo do Rei Leão da Disney, entre o Simba, o Timon e o Pumba.
Uma noite sem nuvens, estavam os três deitados, olhando um céu maravilhoso. Com aquele ar sonhador que por vezes mostrava, diz o Pumba:
- Timon...
- Que é?
- Alguma vez imaginaste o que serão aqueles pontos brilhantes lá em cima?
- Pumba, eu não imagino, eu sei!
- Ah! E o que são?
- São pirilampos! Pirilampos que ficaram colados àquela coisa grande azul escura.
- Ah!... Sempre pensei que fossem bolas de gás a arder a milhões de quilómetros daqui...
- Pumba, p’ra ti, tudo é gás.
- Simba, o que é que tu achas?
- Bom, eu não sei...
- Vamos, fala, fala, fala, Simba. Vá, nós já dissemos. Por favor.
- Alguém me disse uma vez: «do alto das estrelas os grandes reis do passado contemplam-nos».
- A sério? Queres dizer que um bando de reis mortos está a olhar lá de cima?

Pois é, amigo Xico, deitados de costas, debaixo de um céu estrelado, até de olhos fechados conseguimos ver pirilampos como o Timon ou bolas de gás como o Pumba ou reis do passado como o Simba…
Basta querermos!

26 agosto 2006

O CÃO DO JOÃO MALHEIRO

De vez em quando a comunidade científica tem a delicadeza de nos assombrar com as mais inverosímeis descobertas.
Alertado por Lloyd Green, um agricultor do condado de Somerset, no sudoeste de Inglaterra, que jurava a pés juntos que o linguajar das sua amadas vaquinhas tinha o sotaque da região “ – Eu passo muito tempo com as minhas vacas, e, definitivamente, elas mugem com um sotaque de Somerset”, dizia –, Jonh Wells, especialista em fonética da Universidade de Londres, debruçou-se sobre o assunto.
O que descobriu deixou meio mundo boquiaberto: diz ele que, em pequenas populações, como rebanhos, é possível encontrar variações no dialecto que são mais afectadas pelos vizinhos mais próximos da mesma espécie. Mais disse que já foram identificadas diferenças no gorjeio de pássaros da mesma espécie mas de diferentes regiões.
Tudo isto me trouxe à memória um apreciador de vinhos que um dia conheci. Bebia um copo de verde branco, dava um estalido com a língua, e anunciava solenemente: “- Este é da encosta de Perre!”. Bebia outro, outro estalido e: “- Terras baixas de Bertiandos!”. Um terceiro: “- Veiga de Mazarefes!”. Lá chegará o dia em que bastará a um boieiro ouvir um mugido para que possa dizer: “- Esta é da vacaria do Ernesto!” ou “ – Esta é do paul de baixo! ” ou então: “- Eh pá, esta não é de cá!”.
Lloyd Green, o nosso lavrador de Somerset disse mais: “- Acontece o mesmo com os cães; quanto mais perto estamos deles, mais facilmente ficam com a nossa pronúncia”.
O que eu daria para ouvir o cão do João Malheiro!

25 agosto 2006

SERMÃO DE S. JERÓNIMO AOS PEIXES

Há duas noites o Jerónimo foi à pesca. Chegou, ainda cedo, com indumentária apropriada: fato e gravata. Como não podia deixar de ser os urubus da imprensa precederam-no. Mas Jerónimo é um rapaz que se dá bem com estes profissionais. Como não tem nada a esconder e muitos recados a enviar serve-se deles. Então, de peito feito e com aquele semblante alegre que põe em Pirescoxe quando encontra os parceiros da sueca, caminha de encontro ao batalhão da informação. Mentalmente, vai revendo as notas que tinha preparado para o momento: a sardinha, a cavala, uma ou outra dourada, o besugo, o robalo, se viesse a talhe de foice – que bela palavra, foice – falaria também das belas carpas que costumava pescar com os amigos nas barragens do Alentejo… só não conseguia lembrar-se por que carga d’água tinha apontado o tubarão, mas, adiante...
- Senhor Secretário-geral pode fazer um comentário sobre o pedido de demissão do Presidente Carlos Sousa?
Jerónimo de Sousa emudeceu – “Onde é que este gajo foi buscar esta pergunta? Vou à sardinha e ele a perguntar-me sobre arenques.” No compasso de espera que se seguiu, Jerónimo, mentalmente, abandonou as notas que tão apropriadas eram à situação e pensou no sermão de Santo António aos peixes. Com aquele semblante estudado com que os políticos atacam os momentos dramáticos atirou:
- Sabe, por vezes os melhores homens não são os homens melhores.
Não me recordo se a conversa com os jornalistas continuou ou terminou logo ali. Esta linguagem hermética que os políticos constantemente utilizam deixa-me sem vontade de continuar a ouvi-los. Invariavelmente, esta gente fala apenas para meia dúzia de iniciados que normalmente os acompanham: pelo menos é o que se depreende dos seus sorrisinhos aquiescentes quando ouvem as tiradas do chefe. E nós, a arraia-miúda, os tontos, os que, religiosamente, ligamos a televisão às oito da noite, olhamos invejosamente para a sapiência espelhada nos seus rostos e pensamos: “- Porque é que o Criador não nos apetrechou também com dois palmos de testa como àqueles senhores?”

24 agosto 2006

DE CAVALO PARA BURRO

O Astrónomo americano Clyde Tombaugh nasceu a 4 de Fevereiro de 1906 em Streator, Illinois. A sua coroa de glória ganhou-a em Fevereiro de 1930, tinha então 24 anos, quando descobriu e fotografou um corpo celeste que viria a ser o nono planeta do Sistema Solar. Seria baptizado com o nome de Plutão. A sua órbita, para lá de Neptuno, demora 248 anos a percorrer.
Quase a completar 91 anos de idade, a 17 de Janeiro de 1997, Tombaugh, morreu em Las Cruces, Novo México. A sua descoberta pouco lhe sobreviveu.
Reunida em Praga, a fina-flor da astronomia mundial, embora ainda que não a uma só voz, decidiu desclassificar Plutão. A sua insignificância, em termos de tamanho, não lhe permitia ser um planeta. Pertence agora à categoria a que já pertenciam o calhau Ceres, perdido na cintura de asteróides entre Marte e Júpiter ou o enigmático 2003UB313, um corpo celeste que “erra” pelo espaço para além da órbita de Plutão, demorando 560 anos a dar uma volta ao Sol.
As nossas criancinhas têm, agora, menos uma palavra na lenga-lenga: Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno!

23 agosto 2006

CAMINHADA EM PAISAGEM PROTEGIDA

Ontem, a família arrastou-me para as Lagoas de Bertiandos, ou, para utilizar o seu nome na forma mais pomposa: Paisagem Protegida das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro de Arcos. A zona fica na margem direita do rio Lima, já muito próximo da Vila de Ponte de Lima.
Lá chegados toca a escolher o percurso. Como ninguém quisesse dar sinal de fraco, escolhemos o percurso IV, uma jornada com uns extensos 7,5 km.
Como na recepção nos dissessem que os percursos estavam devidamente assinalados, prescindimos de um mapa. Fizemos mal. Pouco ainda tínhamos caminhado e o trilho IV chegava abruptamente a uma estrada camarária. Ficamos sem saber por onde seguir – sabê-lo-íamos mais tarde já no carro e de regresso – pelo que tomamos a decisão que se nos afigurou mais sensata nesta situação: voltamos para trás. Recuamos até uma bifurcação e, entre o I, o II e o III lá fomos andando. Sem saber bem qual o percurso que seguíamos em cada momento, lá regressamos ao ponto de partida.
Confesso que não me esforcei grandemente mas também só vi um sardão, uma rã, três borboletas e meia dúzia de gafanhotos. Ah, e também ouvi alguns chilreios, não conseguindo, no entanto, descortinar a origem.
Embora o tempo esteja quente e, consequentemente, a paisagem, embora húmida, se ressinta disso, o passeio é agradável e recomenda-se. Podiam, é certo, mondar alguns eucaliptos e podar os salgueiros que nos obrigam, não raras vezes, a dobrar a espinha nos passadiços de madeira. E já agora, rever a informação sobre os percursos.Já combinamos voltar às Lagoas mas só depois das primeiras chuvas, já bem entrados no Outono. Nessa altura prometo estar mais atento à natureza e tentar descortinar, mesmo que fugidiamente, qualquer um dos exemplares que na recepção nos dizem passear por aquelas bandas.

EU, PECADOR, ME CONFESSO!

Há uns tempos, a minha amiga Helena, enviou-me por correio electrónico aquilo que seria, talvez na óptica de uma mulher, o banho de uma dama e o banho de um cavalheiro. Confesso que raramente me terei rido tanto ao ler seja o que fosse. Partilhei esse texto com alguns amigos e pensei ficar por aí. Hoje, porém, encorajado pelo amigo Pedro Nelito, resolvi partilhar essa pérola literária com todos os que a quiserem aceitar. Espero, apenas, que ninguém fique chocado com a sua leitura. Então aqui vai:

O BANHO DA MULHER

1. Tira a roupa delicadamente e coloca-a no cesto da roupa suja tendo atenção para não misturar peças de cores diferentes.

2. Vai para a casa de banho embrulhada num roupão. Se vê o marido/namorado, cobre-se bem e dá uma corrida até à casa de banho.

3. Pára em frente ao espelho e observa a sua figura. Espeta a barriga para se poder queixar do "gorda" que está.

4. Entra para a banheira. Pega nas luvas da cara, dos braços, das pernas, das costas e a pedra-pomes.

5. Lava o cabelo com champô de abacate/mel com 83 vitaminas.

6. Volta a lavar o cabelo com o champô de abacate/mel com 83 vitaminas.

7. Põe acondicionador para o cabelo de abacate/mel com 83 vitaminas e espera 15 minutos.

8. Lava a cara com uma mistura de pêssego durante 10 minutos, até que fique vermelha.

9. Lava o resto do corpo com sabonete de nozes e morangos, especial para corpo.

10. Retira o acondicionador da cabeça (este processo leva cerca de 10 minutos porque é preciso assegurar-se que se retirou todo o acondicionador).

11. Corta os pelos das axilas e das pernas. Considera barbear também a zona do bikini mas opta por depilá-la.

12. Grita desesperada quando o marido/namorado puxa o autoclismo e a água perde pressão.

13. Fecha a água do duche.

14. Escorre todas as partes molhadas dentro da banheira.

15. Sai da banheira e seca-se com um toalhão do tamanho de África.

16. Põe uma toalha super absorvente na cabeça.

17. Pesquisa todo o corpo à procura de pontos negros e ataca-os com as unhas ou uma pinça.

18. Regressa ao quarto embrulhada no roupão. Se vê o marido/namorado, cobre-se bem e dá uma corrida até ao quarto.

19. Demora mais uma hora e meia vestindo-se.


O BANHO DO HOMEM

1. Coça os tomates, enquanto decide se toma banho ou não.

2. Diz "Que porra!", dá um peido e, sentado na cama, despe-se atirando a roupa para o chão.

3. Em cuecas vai para a casa de banho. Se vê a mulher/namorada, mostra-lhe a pila e imita o som do elefante.

4. Pára em frente ao espelho para se observar. Encolhe a barriga, admira o tamanho da pila ao espelho, coça os tomates e cheira as mãos antes de tomar banho.

5. Entra na banheira.

6. Lava a cara com sabão azul e branco.

7. Lava a cabeça com sabão azul e branco.

8. Faz um penteado "punk“.

9. Abre a cortina do duche para se ver ao espelho com o penteado "punk“.

10. Farta-se de rir com o barulho que faz dar um peido dentro da banheira

11. Lava as partes privadas e os arredores com sabão azul e branco.

12. Lava o rabo com sabão azul e branco e deixa-o cheio de pêlos.

13. Mija dentro do duche, tentando acertar no ralo.

14. Apercebe-se que o chão está encharcado porque deixou a cortina de fora quando se foi ver ao espelho.

15. Sai do duche e semi-enxuga-se.

16. Vê-se outra vez ao espelho, fazendo músculos e vendo o tamanho da pila.

17. Deixa a cortina aberta, o sabão no chão e o tapete molhado.

18. Deixa a luz da casa de banho acesa.

19. Regressa ao quarto com uma toalha à cintura. Se vê a mulher/namorada, mostra-lhe a pila e volta a imitar o som do elefante.

20. Atira a toalha molhada para a cama e veste-se em 2 minutos.

21 agosto 2006

JOE ROSENTHAL

Em Fevereiro de 1945, trinta mil fuzileiros do exército dos Estados Unidos da América desembarcam nas costas de Iwo Jima, uma ilha Japonesa, defendida por vinte mil soldados. A luta que se segue é encarniçada. No final contam-se seis mil baixas do lado dos Americanas e a quase totalidade dos sitiados. Depois da vitória, seis fuzileiros sobem o monte Suribachi e erguem uma bandeira americana simbolizando a vitória. O fotógrafo Joe Rosenthal estava lá e registou esse momento. A fotografia ganhou o prémio Pulitzer e tornar-se-ia numa das mais conhecidas da segunda Guerra Mundial e de todo o séc. XX, servindo de modelo a uma escultura para o monumento da Infantaria dos EUA no Cemitério Nacional de Arlington, inaugurado em 1954.
Embora os seus detractores sempre o tenham acusado de ter forjado a fotografia, Rosenthal sempre se recusou a aceitar a acusação, afirmando que ela foi o resultado de um momento único não planeado. Numa entrevista, em 1995, explicou que a fotografia foi tirada na segunda vez que os soldados subiram ao monte já que da primeira os oficiais acharam que as dimensões da bandeira eram reduzidas.
Joe Rosenthal nasceu a 9 de Outubro de 1911 em Washington. Durante a Grande Depressão mudou-se para S. Francisco começando a trabalhar no Newspaper Enterprise Association em 1930, seguindo-se o San Francisco News, a Associeted Press – para a qual tirou a famosa fotografia – e, finalmente, o San Francisco Chronicle até se reformar.
Ontem, 20 de Outubro, aos 94 anos, enquanto dormia no asilo para idosos de Novato, Califórnia, Joe Rosenthal morreu. Sua filha Annne diria: “Ele era um homem bom e honesto, uma pessoa realmente íntegra”.
Apesar dos críticos, dos cépticos e dos invejosos “Raising the Flag on Iwo Jima” continuará a ser um ícone.

20 agosto 2006

NÃO FOI POR INVEJA QUE FIQUEI CHORANDO...

Um dia, se for a Marraquexe, reconstituirei – tentarei fazê-lo, pelo menos – os passos de Elias Canetti. Hei-de ir ao mercado de camelos junto do muro de Babel-Khemis, hei-de visitar os souks e apreciar as especiarias e os artigos de couro e os tapetes e as ourivesarias e os artigos de cobre e as lãs coloridas e os cestos e as cordas e os mil cheiros e as mil cores e os mil pregões, hei-de ir a Mellah e a Berrima, hei-de procurar os contadores de histórias e os escribas, hei-de apreciar os contrastes da grande praça Djema el Fna no centro da cidade e hei-de escolher um pão, o melhor que a fila de mulheres tenha para vender. Por fim, rumarei a Sul em direcção às montanhas do Atlas procurando Aghmat, a cerca de uma trintena de quilómetros de Marraquexe, para visitar a tumba de Muhammad ibn 'Abbad al-Mu'tamid, o Rei-Poeta de Sevilha para lhe prestar a minha homenagem.
Al-Mu'tamid, filho do rei Al-Mutadid, nasceu em Beja em 1040. Aos treze anos era já governador de Silves, nomeado após ter comandado uma expedição militar que esmagou uma rebelião na cidade. É nesta altura que conhece Ibn Ammar um poeta que terá nascido na actual Estômbar. Entre os dois cresce, então, uma profunda relação de amizade que, por vezes, se especula ser de natureza homossexual. O seu pai tentará, enquanto viver, afastar o filho daquele que pensa ser uma companhia tão nefasta quanto perigosa para o seu herdeiro.
Com a morte do pai em 1069, Al-Mu'tamid sucede-lhe como rei da taifa de Sevilha. Uma das primeiras decisões que toma é nomear Ibn Ammar, o seu grande amigo, vizir do reino. Este ajuda-o na expansão das suas possessões com a conquista de Múrcia, praça que lhe será entregue para governar.
Por esta altura, a corte de Al-Mu'tamid, fervilha de arte e ciência. Lá se reunem, entre outros, o astrónomo Al-Zarqali, o geógrafo Al-Bakri e os poetas Ibn Hamdis, Ibn Al-Labbana e Ibn Zaydun.
Ibn Ammar, além de brilhante estratego, excelente diplomata e magnífico poeta, era excepcionalmente ambicioso. Muitas vezes conspirou contra o seu senhor, usando, por vezes, a poesia para o ridicularizar, mas a amizade que Al-Mu'tamid sentia pelo seu vizir era tão profunda que, em vez de ficar magoado com a mensagem dos poemas, preferia destacar as qualidades poéticas dos escritos do amigo. Porém, anos depois, acabaria por mandar prendê-lo e, num acesso de raiva, entraria na sua cela e tirar-lhe-ia a vida.
Por esta altura, o Rei Afonso VI de Leão e Castela pressionava o Al Andaluz, chegando a conquistar Toledo em 1085. Vendo que o seu reino começava a correr perigo e privado das qualidades guerreiras e negociais do amigo morto, Al-Mu'tamid, ainda que relutantemente, pede ajuda Yusuf ibn Tashufin, emir dos Almorávidas do norte de África, para lutar contra os Cristãos. O emir dos Almorávidas cede ao seu pedido e envia tropas para a Península que o ajudarão a derrotar Afonso VI, na Batalha de Zalaca, em 1086.
Quatro anos mais tarde, o Rei Cristão volta a investir contra o Reinos Islâmicos e Al-Mu'tamid volta a pedir ajuda. Ibn Tashufin torna a vir em seu auxílio mas desta vez não se limitará a prestar ajuda a Al-Mu'tamid.
Após ter repelido os Cristãos, Ibn Tashufin conquista os reinos islâmicos da Península. Al-Mu'Tamid é feito prisioneiro e desterrado para Aghmat. Por lá passará, penosamente, em cativeiro, os últimos quatro anos da sua vida.
É por esta altura que escreve o mais belo poema que um homem privado de liberdade pode escrever:

Chorei quando vi passar
livre, sobre mim voando,
o bando de cortiçóis.
Nem grades nem grilhetas os detinham.
Não foi por inveja que fiquei chorando...
apenas nostalgia de ser livre,
sem sentir dispersas
as próprias entranhas
e sem filhos mortos
que ao pranto me obrigassem.
Felizes aves:
nunca se apartaram do bando,
não sentem a ausência da família,
nem passam a noite,
como eu, de coração inquieto
ao ranger da porta da cela
ou ao chiar do ferrolho.
Tais sobressaltos não são apenas meus,
fazem parte da humana condição.
Desejo vivamente só a morte.
Outro, quem sabe, se sujeitaria
à vida com grilhetas, mas eu não!
Alá, proteja os cortiçóis
e também as suas crias
pois às minhas, desventuradamente,
abandonaram-nas água e sombra.

15 agosto 2006

COLEGA AHMADINEJAD

Os americanos e os israelitas têm, por estes dias, as orelhas a arder: o colega Ahmadinejad rendeu-se às virtudes da blogosfera. Pena que não deixe grande parte dos seus concidadãos fazer o mesmo.
De qualquer modo não é de aconselhar um grande número de visitas: estaremos expostos a radiação que se pode tornar perigosa.

14 DE AGOSTO DE 1385

A 14 de Agosto de 1385, fez ontem 621 anos, Nuestros Hermanos arrependeram-se de cá ter vindo. Animado pelo seu apetite expansionista, e considerando ser o natural pretendente ao trono de Portugal, em face do seu casamento com D. Beatriz, filha do Rei D. Fernando que não deixou filho varão que lhe sucedesse, D. João de Castela, à frente de um exército de 31 000 homens, invadiu Portugal. Os Castelhanos eram em muito maior número mas os portugueses – seriam cerca de 6 500 –, superiormente liderados por D. João mestre de Aviz e por D. Nuno Álvares Pereira, lograram infligir uma pesada derrota ao inimigo. A contenda teve início pelas seis horas da tarde e ao pôr-do-sol, D. João de Castela, apercebendo-se da impossibilidade de defesa das suas posições, manda retirar. Mais tarde diria que a derrota foi motivada pelo cansaço das suas hostes depois de um dia de marcha sob intenso calor.
O nascer do dia mostrou a dimensão do desastre. Os cadáveres eram tantos que – diz-se –, barravam os cursos de duas ribeiras que flanqueavam a colina onde se desenrolou a contenda.
A Batalha de Aljubarrota encerra, definitivamente, a crise de 1383/1385. O mestre de Aviz torna-se D. João I, dando início à Dinastia de Aviz. Para comemorar a vitória o rei manda construir o mosteiro de Santa Maria da Vitória e funda a vila da Batalha.

COMPRIMIDO-MARAVILHA

O geneticista Hans Hilger-Ropers, investigador do Instituto de Genética Molecular de Berlim, diz a Sky News, está em vias de assombrar o mundo com a descoberta de uma pílula que, literalmente, acabará com a burrice. Embora a investigação ainda não esteja terminada – ainda só entraram ratinhos e moscas-da-fruta –, os resultados já alcançados permitem acalentar as maiores esperanças.
A pílula, actuando sobre as células nervosas do cérebro, ajuda a estabilizar a memória e desenvolve e estimula a atenção.
A comunidade científica, mal soube da iminente descoberta, apressou-se a vir a público desmascarar o pobre investigador. Que não, que embora se possam estimular algumas regiões do cérebro – e para isso existem já químicos que o fazem –, não é possível aumentar o QI. Talvez em maior grau que em qualquer outra, nesta comunidade continua a cultivar-se a inveja!
Cá por mim vou esperar ansiosamente que o Doutor Hilger-Ropers deixe as moscas-da-fruta – encontra facilmente humanos com um cérebro igual –, termine a sua investigação e presenteie o mundo com o comprimido-maravilha.
Os primeiros devem ir directamente para tratamento do secretário Valter, que deve tomar um de seis em seis horas até desaparecerem os sintomas.
E você, caro leitor, quem aconselha? E qual a posologia?

Pelo sim pelo não, vou também encomendar uma caixa. É que há tantas coisas que não entendo…

11 agosto 2006

NEM QUE SEJA UMA GAROA

Desgraçadamente, o país continua a arder!
A natureza não ajuda: as temperaturas continuam altíssimas e a humidade baixíssima;
Os homens também não: por negligência ou por maldade continuam a atear fogos.
Somando todos os hectares que anualmente vão sendo consumidos pelas chamas, temo que as nossas florestas não consigam aguentar por muito mais tempo. Duvido que a mãe natureza tenha capacidade de regeneração que permita acudir a todas estas perdas.
Ou será que estarei enganado? Será que desde sempre, durante o Verão, aconteceu esta desgraça só que as notícias demoravam muito mais tempo a chegar – quando chegavam – levando-nos a pensar que os fogos eram apenas aqueles que queimavam os montes que se divisavam da nossa janela? Hoje, o fogo e o desespero das pessoas entram-nos em directo pelas casas adentro e o horror é repetido até à exaustão, com todas as televisões a competir pelos pelas melhores imagens – pelo maior pavor, entenda-se.
Lembro-me de em tempos ouvir o director de uma estação de televisão Japonesa, afirmar, a propósito do poder imenso da televisão: “Se a televisão não mostrou o incêndio na floresta, será que ela, realmente, ardeu?”. Tenho pensado bastante nisso. Será que a floresta sempre ardeu como agora só que como a televisão não mostrou...
Gostava de ouvir algumas opiniões.
Entretanto, socorro-me de um poema de Geraldo Azevedo, pedindo a S. Pedro que mande alguma chuva - nem que seja uma garoa - aqui para o nosso sertão, e já agora para os Galegos nossos vizinhos que não estão nada melhor do que nós:



Meu São Pedro me ajude
Mande chuva, chuva boa
Chuvisquinho, chuvisquinho
Nem que seja uma garoa


Geraldo Azevedo, Balão de Garoa

07 agosto 2006

REPÓRTER DE GUERRA

Num destes dias, na abertura das notícias da noite de um dos canais, as sacrossantas notícias do horror. O repórter, não sei já se do Norte de Israel se do Sul do Líbano, dá-nos a sua visão dos acontecimentos. Mostra os estragos, grita impropérios para os do outro lado, põe aquela carinha de choque que tinha já posto na reportagem sobre o Mark Dutroux, dá-nos uma prelecção sobre armamento pesado, menos pesado e ligeiro, mostra um grande plano da família que perdeu tudo e despede-se dos telespectadores agradecidos. Amanhã, fará uma incursão ao outro lado e a reportagem será de lá. Mas só a geografia mudará, o directo será, penosamente, o mesmo: os estragos, os impropérios, o semblante, a prelecção, o grande plano.
Não me recordo se consegui assistir à totalidade da reportagem, mas lembro-me de na altura ter pensado em Miguel Torga quando visitou Rio de Onor. Dizia ele: “Ao cabo de oito dias de permanência num mundo destes, com sua língua própria, seus costumes e suas leis, nada escrevi sobre ele, nem sinto que venha a escrever grande coisa. Qualquer jornalista apressado, sem as sete horas de caminho que eu fiz sobre um macho para aqui chegar, faria melhor do que eu. Instalado num hotel de Bragança, com três informações e duas anedotas teria assunto para uma reportagem sensacional.
Pois é, enquanto que os nossos repórteres não conseguirem deslocar-se sobre um macho continuarão a fazer reportagens incolores, inodoras, insípidas e, as mais das vezes, imbecis.

02 agosto 2006

SABER OUVIR

Ao visitante que percorre o souk, nada o separa dos objectos, sejam portas, sejam vidros. E o comerciante, que se rodeia dos seus artigos, nunca os identifica, podendo sempre alcançar quanto tem à venda. Seja o que for, tudo se entrega ao visitante, espontaneamente, sem reservas. Assim, pode ele conservar pelo tempo que quiser, este ou aquele objecto. Pode apreciá-los calmamente, fazer perguntas, levantar dúvidas e até, se a sua disposição lho permitir, contar a sua história, a história dos seus antepassados, ou a história de toda a humanidade, sem que isso o obrigue a comprar seja o que for.
Elias Canetti, As Vozes de Marraquexe

Nascido em 1905 em Rutschuck, uma cidade que hoje pertence à Bulgária mas que à época integrava o império Austro-Húngaro, Elias Canetti, de ascendência Judia, viria a falecer em 1994. Com apenas 6 anos de idade, em 1911, a família parte para Inglaterra, instalando-se em Manchester onde o pai se dedica, com bastante sucesso, ao comércio têxtil, mas um ano depois, em 1912, o seu desaparecimento abalá-lo-á enormemente a ponto de, continuamente, meditar sobre a falta de sentido da morte. “A mais alta e mais formosa tarefa do ser humano é lutar contra a morte”, dizia. No ano seguinte viaja entre Zurique, Viena e Frankfurt. É nesta altura que aprende o alemão que virá a ser a sua língua literária. Na segunda metade dos anos trinta, talvez incomodado com a barbárie que, a pouco e pouco se ia instalando na Alemanha, parte para Inglaterra. Aí produz parte substancial da sua obra que lhe valerá, em 1981, o prémio Nobel da Literatura.
Não sei bem porquê, nestes dias de ódio, lembrei-me de Elias Canetti. Em tempos li “As vozes de Marraquexe”, um belo relato de uma viagem que o autor fez a Marrocos, acompanhando um grupo de amigos cineastas que aí foram filmar. O livro relata as suas deambulações por toda a cidade e a incessante busca do conhecimento de todas as facetas do povo autóctone – fosse árabe ou judeu – e do seu modo de vida, tentando – e conseguindo-o, diga-se – escutar as mil vozes da grande cidade. Fá-lo com tanta sensibilidade, respeito pelas tradições locais e humanismo que toda a obra é um apelo à sã convivência entre os povos.
Vou relê-lo! É uma verdadeira lição para todos nós. Ensina a ouvir e, não tenhamos ilusões, nem todos nós o sabemos fazer.

EVOLUÇÃO NA CONTINUIDADE?

No passado dia 31 de Julho – há dois dias, dito de outra forma –, o governo cubano emitia um comunicado oficial, dando conta dos problemas que apoquentavam o seu Presidente, Fidel Castro. Assinado pelo próprio, o comunicado revela que o líder sofreu uma "crise intestinal aguda com hemorragia, que o obriga a ser submetido a delicada intervenção cirúrgica".
Em face disso, Fidel, delega, ainda que com carácter provisório, no seu irmão Raul – segunda figura do regime e actual ministro das Forças Armadas –, os cargos de primeiro secretário do Partido Comunista, de presidente do Conselho de Estado [Governo] e de Comandante-Chefe das Forças Armadas.
Sobre isto, no JN de hoje, dizia David Pontes: "É cruel pedir a morte de alguém, mesmo que seja por velhice. Mas, infelizmente, há povos que parece não terem outro remédio que esperar que o ditador caia da cadeira ou que definhe no leito da doença. Que venha pois a morte, natural e irremissível, e que, com ela, naturalmente, desapareça a ditadura cubana e os sorrisos possam voltar a ser verdadeiros".

29 julho 2006

ORA DI DJUNTA MON TCHIGA



E eu que não sou Deus!
E eu árido de respostas!
E eu vazio de verdades!
E eu que apenas sou África
nos entretantos das minhas
Comodidades!

...

José Luís Carvalhido da Ponte, ora di djunta mon tchiga.
Extracto do poema “é quase noite”



José Luís Carvalhido da Ponte é professor por vocação e poeta por devoção. Ontem assisti ao lançamento da sua mais recente obra: ora di djunta mon tchiga. O título, em crioulo, significa, em língua de branco, é a hora de darmos as mãos.
José Luís, 57 anos de idade – completá-los-á dentro de 19 dias, a 17 de Agosto – cumpriu, no início dos anos 70 do século passado, o serviço militar na então colónia portuguesa da Guiné. Ter-lhe-á ficado algo daquela terra – agarrado não sei se ao corpo se à alma – porque trinta anos depois de lá ter aportado pela primeira vez, regressou. Embora o objectivo tivesse sido trabalhar na formação de professores de Português na Guiné-Bissau, o apelo da terra amada terá sido bem forte. Desde essa altura tem regressado todos os anos.
Ele não o disse mas pareceu-me adivinhar nas suas palavras que a cada novo regresso o seu amor por aquela terra, onde apenas não falta o sorriso, a alegria e a amizade, cresce mais e mais – se desaparecessem as árvores, as plantas, os animais e o Sol, a Guiné não teria mais nada, diria. Fazendo a comparação entre a terra que deixou no regresso da guerra colonial e o país que encontrou no dealbar deste século não se coibiu de afirmar: “- O que vou dizer não será politicamente correcto mas sinto que, mesmo assim, devo dizê-lo: agora é que a Guiné está a ser explorada!” Ainda bem que temos poetas que não se encolhem perante o politicamente correcto! É que dizem as coisas muito melhor que nós dizemos.
Talvez pensando em todas as Djamilas e Marys daquele país Africano, o poeta quer construir uma pequena maternidade no Cacheu. Para ajudar decidiu oferecer a totalidade dos lucros obtidos com a venda deste livro de 36 belos poemas e cerca de duas dúzias de belas fotografias. Embora a sua modéstia o mandasse dizer o contrário, os poemas, as fotografias e a nobreza da ideia que está por detrás deste trabalho, valem bem os 15 euros que se paga por ele. Assim a edição esgote rapidamente.
Ora di djunta mon tchiga.

CLARO QUE TENHO FOME!

Claro que tenho fome!
Claro que tenho medo
de esquecer meu nome
de perder meu segredo!

Claro que não sei ler!
Mas não temo sonhar
que um dia hei-de saciar
o ventre de uma mulher.

Hei-de dizer a meu filho
que as árvores morrem de pé.
Ele vai entender, eu confio,
e quando dermos as mãos,
na gramática do amor,
havemos de construir
uma nova Guiné.
Não vês como sei sorrir?

José Luís Carvalhido da Ponte, ora di djunta mon tchiga, Julho de 2006

27 julho 2006

OS "HACKERS" ESTÃO ENTRE NÓS!

Na sua crónica da última página do JN de ontem, como habitualmente, Manuel António Pina, obsequiou-nos com uma história das arábias – um dia este homem há-de ser lembrado como o Cronista do Entroncamento. A história que nos contou leu-a no Washington Post. Rezava mais ou menos assim: No último fim-de-semana, realizou-se em Nova Iorque uma reunião de hackers – a notícia não o diz, ou, pelo menos, o cronista não o refere, mas imagino a Microsoft como sendo o principal patrocinador deste evento. Bill Gates precisa de dormir com o inimigo. A reunião terá sido aberta ao público, pelo menos a algum, porque a certa altura, um dos elementos pediu a uma pessoa da assistência o nome e o endereço de e-mail. Quatro horas mais tarde o especialista apresentou ao incrédulo assistente 500 páginas de dados a seu respeito que tinha surripiado sabe-se lá a quem ou onde, torneando firewalls, contornando antivírus, circundando anti-spyware, ladeando anti-sniffers, enfim... Dessas páginas constavam informações como: lugares onde vivera, automóveis que conduzira, nomes, moradas e fotos de familiares e amigos, o cadastro do irmão, e, pasme-se, o incrédulo assistente foi ainda informado que, desde 1983, outra pessoa andava a usar o seu número da Segurança Social.
Em tempos deixei aqui um post a que dei o nome de PANOPTICON VIRTUAL. Verifico que cada vez mais, as palavras do Viajante Gabriel ganham actualidade: “As pessoas querem acreditar que há uma ilha tropical ou uma gruta nas montanhas onde se podem esconder, mas hoje em dia isso já não é verdade. Quer gostemos, quer não, estamos todos ligados.”

24 julho 2006

NÃO VÁ, TELEFONE!

O governo continua a porfiar no meritório objectivo de colocar a internet ao serviço da simplificação da vida dos cidadãos e do emagrecimento do estado – das contas do estado, entenda-se –, isto é, continua a cruzada pela implementação do simplex. Pena que nem sempre as infra-estruturas estejam preparadas para tão louváveis propósitos. A recente novela da compra do selo do carro, trouxe-me à memória uma célebre frase publicitária com que nos anos 30 do século passado a APT (Anglo-Portuguese Telephone), antepassada dos TLP/CTT e PT, tentou convencer os portugueses a instalarem telefone: NÃO VÁ, TELEFONE! A campanha, mau grado os óptimos métodos publicitários utilizados, não terá surtido o efeito que os seus responsáveis esperariam: além de outros factores, as condições económicas do país não ajudavam. Algumas décadas mais tarde, por alturas da primavera marcelista, quando as taxas de crescimento económico começaram a ter alguma visibilidade, os telefones começaram, finalmente, a ser instalados. Tal era a procura que os problemas de saturação e, consequentemente, de falhas de comunicação, começaram a atormentar a vida dos utilizadores. Daí até à chegada da frase: NÃO TELEFONE, VÁ! foi um ápice.
Senhor primeiro-ministro, para que não nos voltemos a lembrar desta famigerada frase, não seria de alargar as auto-estradas da informação para que não se congestionem sempre que há um aumento de tráfego?