26 setembro 2006

BROCANDO O NOSSO CÉREBRO

Há alguns anos, um solidário bebedor, Inglês ou Irlandês, já me não recordo, fez os seus amigos prometerem-lhe que, uma vez morto e incinerado, o punhado de cinzas que restassem iriam para uma pequena ânfora que seria colocada em local de destaque no seu pub de eleição. Ali, à vista dos amigos, ser-lhe-ia menos penosa a jornada para a eternidade. Embora não tenha vertido uma lágrima como o outro quando viu os tanques irromper por Bagdad, confesso que esta notícia me sensibilizou. Todos ganhariam com isso: o morto tinha companhia e os vivos podiam mandar vir outra rodada – erguiam o copo, viravam-se para a urna e exclamavam: - À nossa!
Desconheço se algum dos amigos ainda vive mas, ainda hoje, o morto lá continuará a contemplar os bebedores do alto do escaparate. Por vezes, um ou outro, lá lhe dirigirá a palavra. Serão, fatalmente, frases sem nexo mas que ajudam a passar o tempo.
Tudo isto vem a propósito de uma nova moda que acaba de chegar a Portugal. Alguém teve a ridícula ideia de, por meio de brutais aumentos de pressão e temperatura, num processo em tudo idêntico ao que se utiliza na natureza, transformar em diamante o carbono contido numa madeixa de cabelo de um finado. Deste modo, os entes queridos que cá ficassem, lembrar-se-iam dele. Se não de memória pelo menos pelo tacto.
O diamante, ao que me dizem com certificado e tudo, é idêntico àquele que protege a ponta de qualquer broca para furar pedra. Um material pouco consentâneo com a memória que se quer preservar, mas enfim… é a desmedida criatividade dos homens.

22 setembro 2006

ESTADO DA NAÇÃO: RECOMENDA-SE!

Às segundas-feiras, o principal canal da televisão pública brinda os telespectadores com o Prós e Contras. A dinâmica do programa vive muito à custa da selecção do painel. Por vezes, essa escolha é tudo menos criteriosa e o programa é um longo bocejo, outras vezes, apesar de um painel redondo, propício a duas horas de enfado, o programa prende a atenção do espectador. São insondáveis os caminhos do Senhor.
Na última segunda feira o tema girava à volta de Educação. O assunto era já gasto pelo que se esperaria um miserável share para o canal 1. Tal parece não ter acontecido.
Na mesa da situação, digamos assim, sentava-se a ministra – à Pai Natal, como diria numa das suas habituais tontarias, a condutora do programa. Sobre a senhora ministra, podemos não lhe conhecer as ideias mas conhecemos-lhe o discurso. Até aqui nada de novo.
Ao seu lado direito uma personagem de carinha miúda e corte à Charlie Brown. Apresentar-se-ia como Presidente do Conselho Executivo de uma escola dos arredores de Guimarães. O primeiro mal escolhido. Limitou-se, qual sabujo, a concordar inteiramente com todas as medidas propostas pela equipa da educação. Na sua escola reinava a harmonia. Os professores estavam felizes e contentes e os alunos aprendiam melhor. Lá, no Eldorado, está quase a atingir-se a perfeição. Estaria a pensar num futuro lugar de Director-Geral para cima. Depois daquela prestação o seu sonho terá caído por terra. Ninguém quer tamanho bajulador a trabalhar consigo.
Na mesa da oposição tínhamos um professor universitário ex-governante da área. Punha aquela expressão grave tão natural naqueles que conhecem os meandros do labirinto. Numa introspecção rápida terá avaliado a situação do seu telhado e, na sua linguagem polida, passou o serão a concordar com as medidas da ministra. Havia uma ou outra com que não estava, totalmente, de acordo mas, cortesmente, evitou revelá-las. A linguagem monocórdica com que dizia as coisas também não ajudou. Enfim a segunda má escolha. No final do programa, em parte, redimir-se-ia.
A seu lado outra professora presidente. Agora da escola de uma terra com uma fábrica de cerveja de que não consigo lembrar-me o nome. Nem da terra nem da cerveja. Não trouxe muito para o debate. Na sua zona haverá interesses alheios à escola que chamem os alunos porque, pelos vistos, o abandono escolar não é despiciendo. Abusou dos Cursos de Educação e Formação que o comum dos mortais não sabe bem de que se trata. Outra escolha desacertada, portanto.
Na primeira fila do anfiteatro, a apresentadora costuma sentar alguns convidados cuja função é dinamizar o debate e abanar as consciências. Pensava eu. Vejamos:
Outro dirigente de uma escola, agora do Algarve. No seu estilo de presidente de Associação de Moradores, que sim, que agora é que isto vai p’rá frente, que na sua escola era como no Eldorado, estava tudo bem e havia harmonia.
Ao lado um velhinho. Embora já retirado, continua a encontra-se com colegas ainda no activo. Não vá a senhora ministra lembrar-se de lhe baixar a reforma – ficaram um poucochinho desagradados com todas estas mudanças mas, como é para melhorar, estão a encarar o sacrifício como necessário – limitou-se a aplicar a última pedagogia que conheceu: «Aninhas, quantos são quatro mais oito?». «São dez senhora professora!». «Está certo, mas…». Podiam ter evitado a deslocação do velhinho à capital.
Ao centro dois jovens do décimo segundo ano. Um deles, com o calor e o nervoso, não conseguiu alinhavar uma frase que fosse. Foi-lhe prometido que falaria quando estivesse mais calmo mas, como continuasse a gastar lenços de papel para enxugar a cara, foi mantido calado até ao fim. O outro, que sim senhora, que gostou de todos os professores, que todos o ajudaram a chegar até onde se encontrava, blá, blá, blá. Todos os professores?! Como se todos nós não tivéssemos andado na escola. Enfim, podiam ter poupado este sacrifício aos imberbes. Deitar-se-iam mais cedo e ficariam mais frescos para aturar os queridos professores na manhã seguinte.
Junto deles uma senhora com a pintura esborratada. O adiantado da hora não se compadece com estas coisas e a caracterização também não ajudou. Era uma professora que também era mãe, ou uma mãe que também era professora, bom, já não me recordo muito bem. Praguejou contra a direcção do colégio do filho mais novo que não a deixou, ou deixou relutantemente, visitar as instalações. Não sei se disse mais qualquer coisa mas a dizer teriam sido destas banalidades. Podia ter ficado a contar uma história ao seu filhinho mais novo. A criancinha teria adormecido em paz e o país não teria perdido grande coisa.
Finalmente, um sindicalista. Embora o seu estilo Adriano Correia de Oliveira não o tenha ajudado e estivesse constantemente a responder à antepenúltima pergunta da apresentadora, não ouvindo sequer as duas últimas, foi o único que tentou remar contra a maré. Não é bonita aquela peculiar mania dos agitadores de responderem sem que lhes tenham perguntado, atropelando os outros, mas esteve quase a levar a ministra a utilizar a sua frase mais querida: - Não me deixam falar.
E eis que é chamado um último participante. É um professor da Serra da Estrela que, nas palavras da apresentadora, pediu, insistentemente, para ser convidado. De uma das últimas filas, levanta-se, então, a personagem mais burlesca de todo o programa. Trota pelo anfiteatro abaixo e chega afogueado junto do palco. Parece que tinha vindo de Manteigas a pé. Numa linguagem de vendedor de banha de cobra começa por dizer que tem uma série de perguntas para fazer à ministra. Alarmada, a apresentadora lembra-o do combinado: - Apenas uma pergunta! O troglodita que tinha o discurso preparado para uma dúzia de perguntas não conseguiu resumir tudo numa só e o que disse soou ininteligível. A sua viagem desde a Serra foi em vão.
De vez em quando, em aparições hitchcockianas, viam-se dois marretas sentados no extremo direito da primeira fila. Ora meneavam a cabeça, ora mostravam enfado. Estou ainda por saber quem eram e o que ali faziam.
A montanha teria parido um rato, não fora uma curta afirmação final. O senhor das falinhas mansas que já tinha sido secretário de estado, apelando à sua capacidade de síntese, conseguiu, ainda que, penso eu, não intencionalmente, resumir tudo o que ali se tinha passado. Olhando para o Charlie Brown que tinha sentado à sua frente disse-lhe: - Tenho-o ouvido atentamente desde o início do programa e de tudo o que disse só consigo estar de acordo consigo numa coisa: ambos somos benfiquistas.
Perdemos, pelo menos, duas horas de descanso mas fomos para a cama mais felizes: o país vai bem!

19 setembro 2006

PASSADO À MEDIDA DO PRESENTE

Félix Ventura vive na baixa de Luanda num velho casarão colonial rodeado de retratos circunspectos e estantes a abarrotar de livros. Quando bebé foi deixado numa caixa de cartão, acondicionado entre vários exemplares d’A Relíquia – Eça foi o meu primeiro berço, costumava, orgulhosamente, dizer – junto da porta de um alfarrabista que, após a revolução, deixaria casa e livros ao filho adoptivo e trocaria a instabilidade de Luanda pela calma de Lisboa.
Diariamente o albino Félix Ventura – Branco, eu?! Não, não! Sou negro. Sou negro puro. Sou um autóctone. Não está a ver que sou negro?... – espiolhava o jornal. Quando encontrava alguma notícia que lhe interessava, recortava-a e arquivava-a. Guardava, religiosamente, centenas de pastas com recortes e centenas de filmes.
Em Angola emerge, por estes tempos, uma conjunto de pessoas cujo venturoso presente não está em consonância com o inconfessável passado.
O albino era uma pessoa atenta aos novos tempos e viu nesta discrepância uma oportunidade de negócio - Dê aos seus filhos um passado melhor. O material que laboriosamente guardava, ajudá-lo-á a construir passados para todos aqueles que reclamarem os seus serviços. Há os que necessitam de sangue nobre na sua árvore genealógica, há os que querem limpar o sangue das mãos e há até aqueles que querem trocar o seu passado porque, simplesmente, é inacreditável – quero trocar esta história inverosímil, a história da minha vida, por outra simples e sólida. A história de um homem comum. Eu dou-lhe uma verdade impossível, você dá-me uma mentira vulgar e convincente, aceita? E fá-lo-á com tal verosimilhança que os próprios se convencerão do seu passado glorioso e sem mácula.
Tudo isto é-nos dado a conhecer por intermédio de uma osga – uma osga, sim, mas de uma espécie muito rara. Está a ver estas listras? Trata-se de uma osga-tigre ou osga-tigrada, um animal tímido, ainda pouco estudado. Os primeiros exemplares foram descobertos há meia dúzia de anos na Namíbia – que, desde sempre, viveu na casa de Félix Ventura. Tal como Félix, também a osga experimenta sérias dificuldades em presença da luz, daí, talvez, a afinidade que se vai criando entre ambos. Por vezes sonha com a sua vida anterior quando era um humano.
N’O Vendedor de Passados, numa linguagem escorreita, José Eduardo Agualusa palmilha os caminhos que o jovem país percorreu após a independência.
Um caminho enxameado de escolhos que tolhem a caminhada.

08 setembro 2006

... MAS SÓ QUANDO FOR VELHA!

A Dona Maria de Jesus faz, no próximo Domingo, 113 anos. É a pessoa mais velha da Europa e uma das mais velhas do Mundo.
Literalmente, atravessou 3 séculos.
Nasceu, corria o séc. XIX, reinava ainda D. Carlos. Assistiu ao regicídio, à implantação da República, às 2 Guerras Mundiais do séc. XX e aos dias de ódio do início do séc. XXI.
Um destes dias, falando sobre o seu futuro, a simpática anciã confidenciava: “Um dia irei para um lar, mas só quando for velha!”.
Gostava de chegar lá perto e ter presença de espírito para dizer tal coisa.
Parabéns, Dona Maria! Para o ano cá estarei, novamente, a desejar-lhe Feliz Aniversário.

03 setembro 2006

DOS 18 AOS 45, MAS...

Ainda este ano, os casais, que por problemas de infertilidade se viam na necessidade de recorrer a clínicas espanholas para tentar solucionar o seu problema, vão poder fazê-lo em Portugal.
O Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), da Universidade do Porto, está a criar o primeiro banco de esperma e óvulos do país. Falando sobre este assunto, Mário Sousa, investigador do ICBAS, realçou que “todos os dadores candidatos serão sujeitos a rigorosos exames de selecção, quer a nível da história clínica pessoal e familiar, quer de análises ao sangue, antes de serem seleccionados par a integrar o banco”. Já a partir de 15 de Setembro começarão as entrevistas a mulheres, potenciais dadoras de óvulos, sendo que as entrevistas aos homens, potenciais dadores de esperma, se iniciarão mais lá para o Outono.
O banco excluirá os voluntários com hábitos tabágicos, alcoólicos ou de toxicodependência ou que tenham contraído vírus como as hepatites B ou C ou o HIV. Os óvulos serão recolhidos em mulheres com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos.
Até aqui tudo bem! Temos que assegurar a qualidade do material genético. Nunca se sabe se o substituto do Engenheiro Sócrates não sairá dali.
O Inverno da notícia vem a seguir: os dadores deverão ter entre 18 e 45 anos! Quem, como eu, estava a pensar doar a sua semente para a posteridade, foi fulminado com esta frase, mesmo que respondendo a todos os outros predicados.
Apenas nos resta agarrarmo-nos a uma pequena nuance de linguagem: quando o Doutor Mário Sousa se referiu às margens de idades dos dadores disse, laconicamente, que estas eram apenas indicativas, não exclusivas, dependendo de cada caso analisado.

01 setembro 2006

SE O RIDÍCULO MATASSE…

De quando em vez, um qualquer manga-de-alpaca de uma qualquer instituição governamental, manda uma imbecilidade cá para fora para nos lembrar que o governo existe e está vigilante.
A imprensa noticia hoje que, no Programa Nacional de Alterações Climáticas (PNAC), está inscrita uma proposta que prevê que a velocidade máxima nas auto-estradas baixe de 120 para 118 km/h. Isso mesmo, leu bem, 118 km/h.
Será que o iluminado estaria a pensar noutras coisas? É que até 118 km/h é Tempestade Tropical mas a partir de 119 km/h é Furacão.