04 janeiro 2012

AS FÉRIAS DA MARIA JOÃO

Maria João Ruela é jornalista. Pivot da SIC, quando não está a ler as notícias, gosta, ao que nos diz, de viajar. Depois, com o que anota no caderninho, “ lugares, pessoas, diálogos e pensamentos” e o que guarda na memória, “cheiros sabores e emoções”, faz um livro de viagens. Parece que está na moda os jornalistas verterem em folha impressa qualquer coisa que lhes dê na gana e as editoras, sempre à cata de negócio, têm aproveitado esse filão. No livro que escreveu, “Viagens contadas”, duzentas páginas de letra avantajada e prodigamente ilustrado, como convém, Maria João fala das suas viagens à Patagónia, aos Himalaias, a Marrocos, à Noruega, aos Alpes, aos Pirinéus, à Ucrânia, à Polónia e à Rússia. Verdade que nos tinha avisado logo no título do livro, mas, ao falar de um tão avantajado número de destinos, o que resulta não é muito diferente de uma dessas revistas de viagens que nos prometem, em páginas de texto ciciado e imagens soberbas, destinos de sonho e aventura. Maria João conta-nos as suas aventuras como o faria, depois das férias de verão, qualquer colega lá do escritório, repentinamente chegada aos prazeres do 1.º mundo, contando às amigas embevecidas as aventuras na Tunísia ou na República Dominicana.
Ao ler este livro lembrei-me de Bruce Chatwin e da inolvidável aventura “Na Patagónia” em demanda do brontossauro e de Paul Theroux, outro viajante crónico, que tomou fora de casa, em Chicago, “O velho expresso da Patagónia”, foi por ali abaixo e só não chegou ao cabo Horn porque a linha férrea termina antes. E lembrei-me também de Elias Canetti que ouviu “As vozes de Marraquexe” e as verteu num livro espantoso. Lembrei-me destes três viajantes inveterados e fiquei com vontade de reler aqueles livros admiráveis que nos legaram.
No seu livro, Maria João, diz-nos que foi num serão, sentada a ver televisão na companhia do marido, o Zé – assim mesmo, o Zé, como se a gente se conhecesse desde sempre e se desse de abraço. Diz ela que ao ver num documentário três jovens, Jim, Tom e Kate, percorrerem a montanha, sempre acima dos três mil metros, rodeados de paisagens, escarpas e glaciares, teve, naquele momento, a certeza que faria o mesmo. Em tempos li que Gabriel Garcia Márquez, teve, durante uma viagem de automóvel, a mesma visão e, diante dele, viu desfilar todo o enredo da sua obra prima “Cem anos de solidão”. Depois foi só parar, fechar-se longe do barulho, e escrever de empreitada todo o livro que lhe valeria um nobel. Eu, que tomo conhecimento destes prodígios, reconheço, humildemente, que não fui, ainda, tocado por essa graça. Sei, até, de ciência certa, que jamais o serei. Eu, que sei o dispêndio de energia para obrar cada linha, olho para estes prodígios e só me vem à memória o poema “Budapeste” de Billy Collins, poeta americano, que começa assim: A minha caneta move-se pela página/ como o focinho de um estranho animal...

02 janeiro 2012

UM NOVO CALENDÁRIO

Uma improvável dupla de sábios da Universidade John Hopkins, encorajada, talvez, pelos samoanos e os toquelauenses, soube-se por estes dias, propõem-se acabar não com um dia como os ilhéus mas com o calendário inteiro. Com efeito, um astrofísico e um economista, considerando que o nosso gregoriano calendário está velho e ultrapassado, lançaram uma campanha para a adoção de um novo calendário com uma nova forma de organizar os dias, fixando datas e permitindo que os feriados, como o Natal e o Dia de Ano Novo, possam calhar sempre a um domingo, todos os anos. Ao que consta continuaria a haver doze meses em cada ano que seria ainda dividido em quatro trimestres iguais de noventa e um dias, acabando a divisão entre anos comuns e anos bissextos. Para se recuperar os dias perdidos com esta contagem a dupla tirou da cartola uma ideia genial só ao alcance dos predestinados: a cada cinco ou seis anos haveria uma semana adicional. Ao novo calendário fixo, que prevê apenas um dia semanal de descanso, são apontadas vantagens laborais e produtivas, além de outros benefícios económicos, como o planeamento estável de férias, salários e calendários escolares e a simplificação de cálculos financeiros.
Ao ler a notícia dos sábios que querem mudar o calendário, lembrei-me da minha avó. A minha avó, que por razões que não interessam ao caso, tinha um carinho especial pelo S. Miguel não perdoaria a quem a privasse do convívio com o santo. A minha avó já morreu há muitos anos, mas lá, onde quer que se encontre, estará, certamente, de atalaia e não permitirá que uma dupla que decidiu esbanjar o dinheiro do empregador com a ideia estapafúrdia de um novo calendário, lhe roube o 29 de Setembro.

01 janeiro 2012

BOM ANO

primeiro dia do annus horribilis

E pronto, eis-nos chegados ao dia um do annus horribilis. Pudesse eu e fazia-lhe – ao annus horribilis - o que os samoanos e os toquelauenses fizeram ao 30 de Dezembro.
Mas não posso!
Por isso e ainda que, para nos dificultar as coisas, este ano seja bissexto, encará-lo-ei bem de frente, e sem vacilar, sem acusar as estocadas ao longo do trajeto, caminharei rumo àquilo que, quero pensar, será um futuro mais justo, mais tolerante, mais probo e mais solidário. Mostraremos àqueles cinzentões do norte do que é capaz um meridional despeitado.
Junta-te a mim!