29 março 2008

QUEM FICA PARA FECHAR A PORTA?

Desconheço se a ministra da Educação lê jornais. Talvez, por absoluta impossibilidade, o não o faça. Na sua vidinha atarefada não lhe sobrará tempo para essas minudências. Deve ter uma súcia de assessores que lhe peneiram as notícias e, todas as manhãs, como em tempos faziam àqueleoutro, lhe entregam o seu diário, expurgado de desastres. Desgraçadamente, a malha da joeira é fina em demasia e, além de todo o farelo, retém, também, muita da farinha.
Pelo crivo dos yes-men não passou, com toda a certeza, a notícia “Mais professores querem trocar a sala de aula pela reforma antecipada”, inserta no Público de ontem. Se tivesse passado, a senhora ministra ficaria a saber que:
Ana Maria Brito Jorge, professora de Matemática com 58 anos de idade, vai-se embora porque lhe “falta motivação para enfrentar mais um ciclo que, até pode acabar bem, mas que está a ser muito mal gerido”. Ela, que durante 18 anos foi co-autora de manuais escolares da editora Areal, e hoje é professora titular, até se podia acomodar e ver passar as coisas mas isso era se aceitasse as novas regras “e tivesse estômago para calar a discordância”, o que não pode fazer porque “esta avaliação é completamente desfocada e desajustada da realidade das escolas. Tem uma tal sofisticação burocrática que a torna completamente inexequível”. Chegou a uma altura em que sente escaparem-se-lhe as forças para enfrentar um “atípico e nebuloso ciclo”;
Maria Augusta Jorge Mendes, de 59 anos, é professora de Físico-Química. Esta professora, que foi um dos sete membros nomeados pelo governo para a comissão eleitoral do Conselho das Escolas, diz que reconhece à ministra, “boas intenções” e, até, “vontade de dialogar”, no entanto lá vai dizendo que “boas intenções não chegam e a tendência é para que o ambiente das escolas se degrade ainda mais”. Sente-se “cansada” e “desencantada”. Se num dia fazia parte do “unido” e ”solidário” corpo docente da prestigiada Escola Secundária Infanta D. Maria, no dia seguinte “passou a ser mais um entre os malandros dos professores que nem trabalham nem querem trabalhar”. Por tudo isto, apesar de sair penalizada com nove por cento na sua pensão, apresta-se para deixar o ensino;
Isabel Gaspar Lopes, 61 anos de idade e 37 de profissão, professora de Português na Secundária de D. Duarte, em Coimbra, ainda que com uma penalização de 4,5 por cento na sua pensão, bateu com a porta em Dezembro. Saiu, “a tempo de ter algumas saudades”, mas, “a degradação do ambiente na escola era tal que mais um pouco e já não as teria”;
Carlos Afonso, 57 anos, professor de História, requisitado pela Direcção Regional de Educação do Algarve, na iminência de voltar à escola, sente-se deslocado e abandona a profissão, ainda que isso lhe custe uma penalização de 22,5 por cento na sua reforma. “Já não tenho idade para aguentar este barco”, diz;
Lurdes Brito, 56 anos, os últimos 34 a leccionar Português e Francês, mesmo que com uma penalização de 22,5 por cento, também conta os dias para se vir embora. “O que acontece é que perdi a esperança”, diz. A carga burocrática que assoberba hoje em dia os professores está a deixá-los sem tempo para preparar as aulas. “Todos os papéis que é preciso preencher sem que isso contribua para a qualidade do ensino…”;
José Campinho, 60 anos, professor de Latim e Português na Secundária de Barcelos, tem os papéis preenchidos. No dia 22 de Abril, quando fizer 60 anos e meio, avança com o pedido de aposentação. Ainda que esse passo lhe leve 4,5 por cento da reforma, vai-se embora porque, diz, “ninguém consegue ser bom professor se não estiver motivado”, não se coibindo de afirmar que “o Ministério da Educação não deixa que os professores sejam exigentes e cria mecanismos sub-reptícios a pensar no sucesso estatístico”.
Se a notícia chegasse aos olhos ou aos ouvidos da ministra, diria, como sempre o diz, aliás, que são casos pontuais sem qualquer significado. Mas quem, como ela, se move com enorme desenvoltura pelos meandros das estatísticas saberá que esta é uma amostra significativa do desencanto que vai tomando conta do corpo docente das nossas escolas. Desgraçadamente, aqueles que, desiludidos, saem quando tinham ainda muito para dar à educação, são, porventura, os melhores dentre os melhores. Quem prefere perder uma parte considerável das suas reformas e sair são aqueles que não arranjam coragem para ficar a assistir ao esboroar da obra que durante décadas, dedicadamente, ajudaram a construir.

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