
Pelo crivo dos yes-men não passou, com toda a certeza, a notícia “Mais professores querem trocar a sala de aula pela reforma antecipada”, inserta no Público de ontem. Se tivesse passado, a senhora ministra ficaria a saber que:
Ana Maria Brito Jorge, professora de Matemática com 58 anos de idade, vai-se embora porque lhe “falta motivação para enfrentar mais um ciclo que, até pode acabar bem, mas que está a ser muito mal gerido”. Ela, que durante 18 anos foi co-autora de manuais escolares da editora Areal, e hoje é professora titular, até se podia acomodar e ver passar as coisas mas isso era se aceitasse as novas regras “e tivesse estômago para calar a discordância”, o que não pode fazer porque “esta avaliação é completamente desfocada e desajustada da realidade das escolas. Tem uma tal sofisticação burocrática que a torna completamente inexequível”. Chegou a uma altura em que sente escaparem-se-lhe as forças para enfrentar um “atípico e nebuloso ciclo”;
Maria Augusta Jorge Mendes, de 59 anos, é professora de Físico-Química. Esta professora, que foi um dos sete membros nomeados pelo governo para a comissão eleitoral do Conselho das Escolas, diz que reconhece à ministra, “boas intenções” e, até, “vontade de dialogar”, no entanto lá vai dizendo que “boas intenções não chegam e a tendência é para que o ambiente das escolas se degrade ainda mais”. Sente-se “cansada” e “desencantada”. Se num dia fazia parte do “unido” e ”solidário” corpo docente da prestigiada Escola Secundária Infanta D. Maria, no dia seguinte “passou a ser mais um entre os malandros dos professores que nem trabalham nem querem trabalhar”. Por tudo isto, apesar de sair penalizada com nove por cento na sua pensão, apresta-se para deixar o ensino;
Isabel Gaspar Lopes, 61 anos de idade e 37 de profissão, professora de Português na Secundária de D. Duarte, em Coimbra, ainda que com uma penalização de 4,5 por cento na sua pensão, bateu com a porta em Dezembro. Saiu, “a tempo de ter algumas saudades”, mas, “a degradação do ambiente na escola era tal que mais um pouco e já não as teria”;
Carlos Afonso, 57 anos, professor de História, requisitado pela Direcção Regional de Educação do Algarve, na iminência de voltar à escola, sente-se deslocado e abandona a profissão, ainda que isso lhe custe uma penalização de 22,5 por cento na sua reforma. “Já não tenho idade para aguentar este barco”, diz;
Lurdes Brito, 56 anos, os últimos 34 a leccionar Português e Francês, mesmo que com uma penalização de 22,5 por cento, também conta os dias para se vir embora. “O que acontece é que perdi a esperança”, diz. A carga burocrática que assoberba hoje em dia os professores está a deixá-los sem tempo para preparar as aulas. “Todos os papéis que é preciso preencher sem que isso contribua para a qualidade do ensino…”;
José Campinho, 60 anos, professor de Latim e Português na Secundária de Barcelos, tem os papéis preenchidos. No dia 22 de Abril, quando fizer 60 anos e meio, avança com o pedido de aposentação. Ainda que esse passo lhe leve 4,5 por cento da reforma, vai-se embora porque, diz, “ninguém consegue ser bom professor se não estiver motivado”, não se coibindo de afirmar que “o Ministério da Educação não deixa que os professores sejam exigentes e cria mecanismos sub-reptícios a pensar no sucesso estatístico”.
Se a notícia chegasse aos olhos ou aos ouvidos da ministra, diria, como sempre o diz, aliás, que são casos pontuais sem qualquer significado. Mas quem, como ela, se move com enorme desenvoltura pelos meandros das estatísticas saberá que esta é uma amostra significativa do desencanto que vai tomando conta do corpo docente das nossas escolas. Desgraçadamente, aqueles que, desiludidos, saem quando tinham ainda muito para dar à educação, são, porventura, os melhores dentre os melhores. Quem prefere perder uma parte considerável das suas reformas e sair são aqueles que não arranjam coragem para ficar a assistir ao esboroar da obra que durante décadas, dedicadamente, ajudaram a construir.
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