28 dezembro 2009

MESMO SEM "BIG BROTHER"

O mundo, já o sabemos, é um lugar perigoso para se viver. Se há países que encaram este problema com uma certa despreocupação, outros há que o levam muito a sério. Por razões óbvias mas que não vêm ao caso, os Estados Unidos da América deve ser o país que, de entre todos os países do mundo, suscita maiores inimizades. De modo que tentam, de uma forma obsessiva, diga-se, estreitar o mais que podem as portas por onde pode entrar o perigo. Ainda não as conseguiram fechar totalmente mas acalentam uma secreta esperança de o virem a alcançar, mesmo que na jornada o revés espreite a cada virar de esquina. Quando pensavam que o sistema de segurança nacional era infalível lá vem o Mohamed Atta lembrá-los que há ainda muito trabalho a fazer.
É depois do vil atentado de 2001 que começam a surgir evoluídos programas de computador que conseguem escrutinar os milhares de milhões de mensagens que circulam pela net – “… os computadores […] forçavam a sua entrada em sistemas de dados protegidos..." – à procura de indícios que os levem à descoberta de grupos hostis que possam atentar contra a segurança da nação. De um modo simplista diríamos que o que esses programas fazem é procurar palavras ou associações de palavras que possam configurar uma mensagem susceptível de ter sido escrita ou enviada por alguém que possa fazer perigar o american way of life. Estes modernos Big Brother terão atingido um tal grau de especialização que conseguem, literalmente, medir o pulso a uma nação. Pelos vistos, o modo como escrevemos e as palavras que em cada momento aplicamos na escrita diz muito do nosso estado de espírito do momento, isto é, quando estamos contentes empregamos palavras que não empregaríamos se estivéssemos tristes, e vice-versa, de modo que, em cada momento, é possível saber o grau de satisfação dos habitantes de uma nação. Ora qualquer governante “moderno” que se preze não desdenhará possuir sempre à mão uma informação deste tipo, caso contrário terá de se guiar por conhecimentos empíricos que nem sempre resultam – hoje o Benfica ganhou ao Porto, amanhã aumentamos os impostos que o pessoal nem nota.
Sempre achei estranho que o Sócrates, um governante “moderno” e todo virado para o markting e para as cibernéticas, nunca tenha mostrado interesse por esta poderosa ferramenta. Sempre achei estranho. Até hoje.
Pelos vistos circula pela net há já uns meses mas só agora chegou cá. A história é a seguinte: Jorge Viegas Vasconcelos era presidente da ERSE, Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, um organismo que praticamente ninguém conhece e que, em boa verdade, dos que conhecem, poucos saberão para que serve. O senhor Vasconcelos, a dado passo, pediu a demissão do seu cargo porque, segundo consta, queria que os aumentos da electricidade ainda fossem maiores. Tudo bem, a sua não venceu e o homem pediu a demissão. Ora, quando alguém se demite do seu emprego, fá-lo por sua conta e risco, não lhe sendo devidos, pela entidade empregadora, quaisquer reparos, subsídios ou outros quaisquer benefícios. Porém, com o senhor Vasconcelos não foi assim. Na verdade, ele vai para casa com 12 000 euros por mês – ou seja, 2.400 contos – durante o máximo de dois anos, até encontrar um novo emprego. E aqui, já perplexos, perguntamos: «Então o senhor demitiu-se, isto é, despediu-se por vontade própria, e ainda fica a receber 12 000 euros por mês? Quem mais, neste país, se despede a ainda fica a receber?» Quando alguém, enojado pelo sucedido, perguntou ao ministro da Economia, como era possível que acontecesse tal coisa, a resposta veio clara: «O regime aplicado aos membros do conselho de administração da ERSE foi aprovado pela própria ERSE e de acordo com artigo 28.º dos Estatutos da ERSE, os membros do conselho de administração estão sujeitos ao estatuto do gestor público em tudo o que não resultar desses estatutos». Isto é, sempre que os estatutos da ERSE foram mais vantajosos para os seus gestores, o estatuto de gestor público não se aplica ou, dizendo de outra forma: o senhor Vasconcelos e os seus amigos do conselho de administração, apesar de terem o estatuto de gestores públicos, criaram um esquema ainda mais vantajoso para si próprios, como seja, por exemplo, ficarem com um ordenado milionário quando resolverem demitir-se dos seus cargos. Como alguém dizia, trata-se, obviamente, de um escândalo, de uma imoralidade sem limites, de uma afronta a milhões de portugueses que sobrevivem com ordenados baixíssimos e subsídios de desemprego miseráveis. Trata-se, em suma, de um desenfreado, abusivo e desavergonhado abocanhar do erário público.
Pois é, depois de saber isto compreendo o Sócrates: para quê o Big Brother se já sabemos o estado de espírito dos portugueses?

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