O Presidente da República já aterrou na Índia. Com o seu séquito – esperemos que não de Diogos Cães engalanados – o país regressa ao Oriente. Antes ainda de partir, o Presidente lembrou que esta viagem tinha, apenas, motivações políticas e económicas e não seria nunca uma peregrinação pelas memórias do império. Fez muito bem em proferir tais palavras – nem se esperaria outra coisa de um Presidente da República de um país soberano e civilizado que parte para uma visita a outro estado soberano e civilizado –, mas no mais recôndito do seu ser ter-lhe-á vindo à memória a extraordinária aventura protagonizada pelos portugueses de quinhentos. Disso não tenho dúvidas.
A mim, que o vejo partir, vem-me à memória uma admirável crónica de um atento espectador da alma lusa: Fernando Alves. Há 10 anos, fá-los-á lá mais para Setembro, o cronista foi também à Índia. De uma crónica dessa vagem respiguei o seguinte excerto:
“A ventoinha está sempre a rodar, no restaurante do Hotel Venite, na Rua 31 de Janeiro em Pangim. Há uma velha rabeca pendurada na parede e há também um retrato do Sagrado Coração de Jesus. […] Alguém escreveu num português sem mácula, em letras toscas, na parede mais larga da sala: «A nossa especialidade é galinha assada com batatas fritas». Há vinhos de distintas proveniências, há o inevitável xarope Mateus Rosé, mas o melhor é pedir Kingfisher muito fresca e esperar que a ventoinha não pare de rodar. […] a varanda do restaurante do Hotel Venite, em Pangim, não dando, é certo, para o Rio Mandovi, não respondendo aos desejos dos que procuram Forte Aguada e as mais belas praias do mundo, não dando senão para os telhados da 31 de Janeiro onde pousam os corvos negros da Índia, dá, todavia, para o mais íntimo da andarilha alma portuguesa. […] Sentado a essa varanda de Pangim escutei uma inesperada canção de Né Ladeiras que o jovem Raghu Gadhi foi pôr a girar num leitor de cassetes quando percebeu uma lusitana melancolia nos meus olhos. E foi nessa varanda de Pangim que vislumbrei o símbolo do Sporting pintado na parede da loja de Bento Miguel Fernandes. Bento Fernandes havia de me abrir os braços e as histórias e havia de me mostrar as fotografias com Eusébio, Toni, Damas e outros veteranos, que há pouco mais de um ano foram jogar futebol a Goa. Ao contar as tardes de petiscos portugueses no Clube Vasco da Gama, o senhor Bento abraçou-me como se eu fosse do Sporting e mostrou-me os retratos autografados de Eusébio e Toni como se eles fossem do Sporting, que é o mais popular clube do mundo, em Goa. E eu percebi que no abraço emocionado de Bento Fernandes, na alegria de poder falar uma língua diariamente agredida por ministros e outros doutores, ele dizia Sporting como se dissesse uma secreta ideia de pátria comum. E nesse fim de tarde na rua 31 de Janeiro em Pangim, durante uma hora, eu fui, com orgulho, do Sporting.”
Uma última nota: nos antípodas de Pangim, do imenso Brasil chegam-me também sinais da alma lusitana. O Pedro Nelito e os amigos estão compondo um fado. Querido amigo – permita-me que o trate desta forma – bem-vindo a casa!
3 comentários:
Carlos,
"Navegar é preciso, viver não é preciso..."
Estou aqui junto com o Rogério procurando uma guitarra portuguesa e procurando uma cantora lusitana, por aqui mesmo, temos muitos portugueses em Belém... Ai fado, ai minhas dores... temos que fazer bonito para os irmãos de além-mar...
Estamos trabalhando para isso.
Abraços irmão,
Pedro
Passei para desejar óptimo fim-de-semana e apreciar esta interessante página, onde impera a qualidade e bom gosto.
Pois sim senhor!! vindo daí não é surpresa que seja realmente uma bela página... Parabéns
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