Às segundas-feiras, o principal canal da televisão pública brinda os telespectadores com o Prós e Contras. A dinâmica do programa vive muito à custa da selecção do painel. Por vezes, essa escolha é tudo menos criteriosa e o programa é um longo bocejo, outras vezes, apesar de um painel redondo, propício a duas horas de enfado, o programa prende a atenção do espectador. São insondáveis os caminhos do Senhor.
Na última segunda feira o tema girava à volta de Educação. O assunto era já gasto pelo que se esperaria um miserável share para o canal 1. Tal parece não ter acontecido.
Na mesa da situação, digamos assim, sentava-se a ministra – à Pai Natal, como diria numa das suas habituais tontarias, a condutora do programa. Sobre a senhora ministra, podemos não lhe conhecer as ideias mas conhecemos-lhe o discurso. Até aqui nada de novo.
Ao seu lado direito uma personagem de carinha miúda e corte à Charlie Brown. Apresentar-se-ia como Presidente do Conselho Executivo de uma escola dos arredores de Guimarães. O primeiro mal escolhido. Limitou-se, qual sabujo, a concordar inteiramente com todas as medidas propostas pela equipa da educação. Na sua escola reinava a harmonia. Os professores estavam felizes e contentes e os alunos aprendiam melhor. Lá, no Eldorado, está quase a atingir-se a perfeição. Estaria a pensar num futuro lugar de Director-Geral para cima. Depois daquela prestação o seu sonho terá caído por terra. Ninguém quer tamanho bajulador a trabalhar consigo.
Na mesa da oposição tínhamos um professor universitário ex-governante da área. Punha aquela expressão grave tão natural naqueles que conhecem os meandros do labirinto. Numa introspecção rápida terá avaliado a situação do seu telhado e, na sua linguagem polida, passou o serão a concordar com as medidas da ministra. Havia uma ou outra com que não estava, totalmente, de acordo mas, cortesmente, evitou revelá-las. A linguagem monocórdica com que dizia as coisas também não ajudou. Enfim a segunda má escolha. No final do programa, em parte, redimir-se-ia.
A seu lado outra professora presidente. Agora da escola de uma terra com uma fábrica de cerveja de que não consigo lembrar-me o nome. Nem da terra nem da cerveja. Não trouxe muito para o debate. Na sua zona haverá interesses alheios à escola que chamem os alunos porque, pelos vistos, o abandono escolar não é despiciendo. Abusou dos Cursos de Educação e Formação que o comum dos mortais não sabe bem de que se trata. Outra escolha desacertada, portanto.
Na primeira fila do anfiteatro, a apresentadora costuma sentar alguns convidados cuja função é dinamizar o debate e abanar as consciências. Pensava eu. Vejamos:
Outro dirigente de uma escola, agora do Algarve. No seu estilo de presidente de Associação de Moradores, que sim, que agora é que isto vai p’rá frente, que na sua escola era como no Eldorado, estava tudo bem e havia harmonia.
Ao lado um velhinho. Embora já retirado, continua a encontra-se com colegas ainda no activo. Não vá a senhora ministra lembrar-se de lhe baixar a reforma – ficaram um poucochinho desagradados com todas estas mudanças mas, como é para melhorar, estão a encarar o sacrifício como necessário – limitou-se a aplicar a última pedagogia que conheceu: «Aninhas, quantos são quatro mais oito?». «São dez senhora professora!». «Está certo, mas…». Podiam ter evitado a deslocação do velhinho à capital.
Ao centro dois jovens do décimo segundo ano. Um deles, com o calor e o nervoso, não conseguiu alinhavar uma frase que fosse. Foi-lhe prometido que falaria quando estivesse mais calmo mas, como continuasse a gastar lenços de papel para enxugar a cara, foi mantido calado até ao fim. O outro, que sim senhora, que gostou de todos os professores, que todos o ajudaram a chegar até onde se encontrava, blá, blá, blá. Todos os professores?! Como se todos nós não tivéssemos andado na escola. Enfim, podiam ter poupado este sacrifício aos imberbes. Deitar-se-iam mais cedo e ficariam mais frescos para aturar os queridos professores na manhã seguinte.
Junto deles uma senhora com a pintura esborratada. O adiantado da hora não se compadece com estas coisas e a caracterização também não ajudou. Era uma professora que também era mãe, ou uma mãe que também era professora, bom, já não me recordo muito bem. Praguejou contra a direcção do colégio do filho mais novo que não a deixou, ou deixou relutantemente, visitar as instalações. Não sei se disse mais qualquer coisa mas a dizer teriam sido destas banalidades. Podia ter ficado a contar uma história ao seu filhinho mais novo. A criancinha teria adormecido em paz e o país não teria perdido grande coisa.
Finalmente, um sindicalista. Embora o seu estilo Adriano Correia de Oliveira não o tenha ajudado e estivesse constantemente a responder à antepenúltima pergunta da apresentadora, não ouvindo sequer as duas últimas, foi o único que tentou remar contra a maré. Não é bonita aquela peculiar mania dos agitadores de responderem sem que lhes tenham perguntado, atropelando os outros, mas esteve quase a levar a ministra a utilizar a sua frase mais querida: - Não me deixam falar.
E eis que é chamado um último participante. É um professor da Serra da Estrela que, nas palavras da apresentadora, pediu, insistentemente, para ser convidado. De uma das últimas filas, levanta-se, então, a personagem mais burlesca de todo o programa. Trota pelo anfiteatro abaixo e chega afogueado junto do palco. Parece que tinha vindo de Manteigas a pé. Numa linguagem de vendedor de banha de cobra começa por dizer que tem uma série de perguntas para fazer à ministra. Alarmada, a apresentadora lembra-o do combinado: - Apenas uma pergunta! O troglodita que tinha o discurso preparado para uma dúzia de perguntas não conseguiu resumir tudo numa só e o que disse soou ininteligível. A sua viagem desde a Serra foi em vão.
De vez em quando, em aparições hitchcockianas, viam-se dois marretas sentados no extremo direito da primeira fila. Ora meneavam a cabeça, ora mostravam enfado. Estou ainda por saber quem eram e o que ali faziam.
A montanha teria parido um rato, não fora uma curta afirmação final. O senhor das falinhas mansas que já tinha sido secretário de estado, apelando à sua capacidade de síntese, conseguiu, ainda que, penso eu, não intencionalmente, resumir tudo o que ali se tinha passado. Olhando para o Charlie Brown que tinha sentado à sua frente disse-lhe: - Tenho-o ouvido atentamente desde o início do programa e de tudo o que disse só consigo estar de acordo consigo numa coisa: ambos somos benfiquistas.
Perdemos, pelo menos, duas horas de descanso mas fomos para a cama mais felizes: o país vai bem!
3 comentários:
Não assisti a este programa. Aliás, nos últimos tempos, não vejo praticamente, Televisão. Lá vou dando uma espreitadela para parte dos telejornais, particularmente o da hora do almoço, já que às 20 hors normalmete ainda não estou em casa.
Demais, tenho andado a lidar com as TIC, a ver se não perco o comboio. O problema é que já não sei bem em que comboio é que me estou a meter. Qual será a próxima estação?
Resumindo:
Parece qe não tenho andado a perder nada de especial não vendo televsão...
Um abraço, caro amigo
António
Mais um excelente texto. Acertou em cheio. Geralmente nestes debates já sabemos à partida o que vai ser dito. De qualquer maneira os assuntos mais importantes ficaram por discutir.
Estou farto das trapalhadas e de ver pessoas terem um discurso no dia a dia e depois quando vão a acções formação ou a programas como este lá afirmaram as banalidades habituais, noemadamente no que diz respeito à pedagogia.
Um abraço.
Também eu vi o programa e dou razão ao professor Santana Castilho que ontem, no Público, argumentava que a última edição dos “Prós e Contras” devia ter adoptado a sigla “Prós e Prós”.
No clima de agitação que se vive na Educação, não ter encontrado elementos credíveis que fizessem o contraditório foi, como ouvi alguém dizer, o milagre de Fátima … Campos Ferreira, entenda-se!
Beijinhos
Helena Guerreiro
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