25 agosto 2006

SERMÃO DE S. JERÓNIMO AOS PEIXES

Há duas noites o Jerónimo foi à pesca. Chegou, ainda cedo, com indumentária apropriada: fato e gravata. Como não podia deixar de ser os urubus da imprensa precederam-no. Mas Jerónimo é um rapaz que se dá bem com estes profissionais. Como não tem nada a esconder e muitos recados a enviar serve-se deles. Então, de peito feito e com aquele semblante alegre que põe em Pirescoxe quando encontra os parceiros da sueca, caminha de encontro ao batalhão da informação. Mentalmente, vai revendo as notas que tinha preparado para o momento: a sardinha, a cavala, uma ou outra dourada, o besugo, o robalo, se viesse a talhe de foice – que bela palavra, foice – falaria também das belas carpas que costumava pescar com os amigos nas barragens do Alentejo… só não conseguia lembrar-se por que carga d’água tinha apontado o tubarão, mas, adiante...
- Senhor Secretário-geral pode fazer um comentário sobre o pedido de demissão do Presidente Carlos Sousa?
Jerónimo de Sousa emudeceu – “Onde é que este gajo foi buscar esta pergunta? Vou à sardinha e ele a perguntar-me sobre arenques.” No compasso de espera que se seguiu, Jerónimo, mentalmente, abandonou as notas que tão apropriadas eram à situação e pensou no sermão de Santo António aos peixes. Com aquele semblante estudado com que os políticos atacam os momentos dramáticos atirou:
- Sabe, por vezes os melhores homens não são os homens melhores.
Não me recordo se a conversa com os jornalistas continuou ou terminou logo ali. Esta linguagem hermética que os políticos constantemente utilizam deixa-me sem vontade de continuar a ouvi-los. Invariavelmente, esta gente fala apenas para meia dúzia de iniciados que normalmente os acompanham: pelo menos é o que se depreende dos seus sorrisinhos aquiescentes quando ouvem as tiradas do chefe. E nós, a arraia-miúda, os tontos, os que, religiosamente, ligamos a televisão às oito da noite, olhamos invejosamente para a sapiência espelhada nos seus rostos e pensamos: “- Porque é que o Criador não nos apetrechou também com dois palmos de testa como àqueles senhores?”

1 comentário:

Tozé Franco disse...

Acho que o assunto nem merece muita reflexão, ou talvez esteja errado, pois apercebi-me que, mais importante que o sentido de voto da população de Setúbal, foi a decisão dos dirigentes partidários que decidiram a demissão do Presidente da Câmara. E espanta-me que este tenha cedido sem mais nem mens.
Eu ainda tenho esperança de conseguir compreender o que se passou. Até já pedi para me explicarem como se eu tivesse só 5 anos.