11 maio 2006

BLANQUETTE

A nossa ministra da educação tem andado num afã tremendo desde que assumiu a pasta há já mais de um ano.
Uma das criações pela qual será, com certeza, lembrada é a das "famigeradas" aulas de substituição. Tendo tomado posse pouco tempo antes de terminar o ano lectivo de 2004/05, numa altura em que todas as decisões sobre o ano lectivo seguinte estariam já amadurecidas e prontas a serem implementadas, a ministra, decide fazer tábua rasa de tudo isso e num Verão verdadeiramente frenético toca a fazer tudo de novo. A nossa ministra da educação é, não o duvido, uma pessoa trabalhadora, de espírito livre e que não recua perante as dificuldades. Mas nem sempre isso chega. Por vezes, em doses excessivas, pode revelar-se, até, contraproducente. A ministra não terá pesado todas as implicações que a implementação do sistema teria. Desgraçadamente, também não se terá aconselhado com quem devia, de modo que, na ânsia de começar a conferir à educação o seu cunho pessoal lança atabalhoadamente o sistema. Sem uma experimentação prévia e mal pensado, o sistema nunca funcionou. Os professores, sentindo que tudo foi feito contra eles, nunca o adoptaram. Os alunos, não ganhando nada com isso, muito menos. Quase um ano lectivo depois, embora não o admitindo, a ministra vem reconhecer que talvez tenha havido precipitação e decide mudar as regras do jogo. Agora o professor que vai faltar tem de deixar o plano da aula ao professor que o vai substituir. Se o não fizer arrisca-se a levar uma falta injustificada. Enfim, continua a ameaçar-se os professores e a decidir-se em cima do joelho. Não será necessário outro ano lectivo para verificar da nula utilidade das novas mudanças. Então, alegremente, levada pelo instinto, a ministra mudará o rumo. . Temo que daqui a menos de um ano a ministra conclua que este não é, ainda, o sistema ideal e, atabalhoadamente, queira desencantar mais um despacho que mude tudo outra vez. Só que pode ser já demasiado tarde...
Tudo isto me faz lembrar a história da cabra do senhor Seguin, contada por Alphonse Daudet nas "Cartas do meu moinho". Blanquette, era uma bela cabrinha de sedosa pelagem branca que amava a liberdade. Apesar de ter uma bela vida na quinta do senhor Seguin, no verdejante vale do Ródano, olhava para o horizonte e sentia o apelo das montanhas distantes. Até que uma manhã, apesar dos esforços em contrário do dono, Blanquette fugiu. Durante todo o dia andou alegre, correndo pela montanha, guiada pelo instinto, inebriada pelos mil cheiros e sabores das plantas que nunca tinha visto. Ao cair da noite a cabrinha pressente o perigo. Podia ainda regressar à segurança da quinta mas lembrando-se que voltaria a ser amarrada ao poste, atira para longe esse pensamento, vira-se e enfrenta corajosamente o lobo. Lutará com ele toda a noite mas ao alvorecer o lobo lançar-se-á, finalmente, sobre ela e comê-la-á. A tristeza assola a alma do senhor Seguin: como todas as anteriores, também blanquette foi comida pelo lobo.
A história não o diz, mas o senhor Seguin recomeçará tudo. Levará para a quinta outra cabrinha e, como sempre, fará tudo o que pode para que ela lá permaneça. De início pensará: "Finalmente acertei, esta ficará comigo para sempre!"... Mas quem sabe... um dia pode olhar para as montanhas e sentir o seu apelo...

1 comentário:

a d´almeida nunes disse...

Amigo Carlos
Este seu post merecia um texto de reflexão com a devida profundidade.
Só que, como já deve ter percebido, a minha profissão é muito exigente nesta altura do ano, particularmente.
Não sei se sabe, penso que não saberá, fui professor do Ensino Secundário, de 1966 a 1968, de 1970 a 1971 e de 1980 a 1982. Depois de tantas hesitações acabei por abandonar esta ideia de ser professor, mas estou arrependido. Apesar de tudo o que se está a passar. Será só um tempo de mudança? Para melhor não me parece, dada a enorme contestação que as sucessivas políticas de vários governos têm vindo a tentar implementar sem êxito. Para quando uma verdadeira e consensual reforma do ensino em Portugal. Permanente, como não pode deixar de o ser, mas minimamente consensual. Então não será possível chegar a um consenso?
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António